Maura Regina Petruski e Marizete Kasiorowski Kolinski

UMA VISITA E MUITAS HISTÓRIAS PARA CONTAR: O ENSINO DA HISTÓRIA DOS POLONESES DE ÁGUA BRANCA A PARTIR DO CEMITÉRIO




Tornar o ambiente do cemitério uma fonte de pesquisa para o trabalho com o ensino de História tem sido o foco de estudo de Marcelina das Graças de Almeida. A autora [2015, p. 35] destaca que esse espaço é “privilegiado para se entender a cultura de um povo, através da arquitetura, escultura e artes decorativas que, ao serem interpretados, permitem a compreensão da sociedade na qual estão inseridas”. 

Outra pesquisadora que adotou esse ambiente como objeto de estudo foi Kate Fabiano Rigo, que o apresenta como ferramenta educativa destacando as possibilidades no campo da religiosidade, da morte e da história. De acordo com a autora [2015, p.107], a amplitude de análise que o local permite, contribui para “a formação da identidade do adolescente, criando e partilhando experiências significativas no espaço escolar, no desenvolvimento de valores e reafirmação de crenças, bem como na formação de um adulto centrado na sua condição humana”.  

Nesse caminho de inserção do cemitério como local de aprendizagem também temos a professora Maria Cristina Pastore [2016, p.45], que se voltou para privilegiar o ensino das artes, tanto com alunos do ensino fundamental quanto do médio. Apropriou-se da expressão “museu a céu aberto” ao se referir ao valor histórico materializado nos intramuros, devido ao diálogo que o local estabelece com a sociedade, em seu “tecido cultural costurado pelas memórias dentro do espaço do cemitério permitindo visualizar condições favoráveis ao aprendizado”. 
                                            
Mesmo tendo diversificado potencial para o trabalho pedagógico, sua incorporação como instrumento de ensino ainda não é muito difundida, como destaca Rigo [2015, p. 12], provavelmente devido ao contato com sentimentos ligados à morte e suas representações.  Isto evidencia a necessidade de ampliar pesquisas no campo educacional, principalmente no que se refere ao ensino de História, pois esse local faz parte da vida dos indivíduos e nele estão inseridas questões pertinentes à vida e a morte, expressas nas lápides, nos mausoléus ou nas pequenas sepulturas espalhadas em suas ruas, onde é possível observar distintos aspectos de certa localidade, constituindo-se em ‘lugares de memória’, expressão utilizada por Pierre Nora [1993].  

E, diante das experiências observadas a partir dos trabalhos das autoras mencionadas acima que evidenciam a potencialidade desse local como área de estudo para o ensino, é que o mesmo foi utilizado num projeto desenvolvido junto a vinte e seis alunos do quinto ano da escola Rural Castro Alves, da colônia agrícola Água Branca, na cidade de São Mateus do Sul [PR], cujo objetivo central constava retratar a história dos primeiros habitantes poloneses da colônia a partir das representações contidas nos intramuros do cemitério.

Nesse caso, se levou em conta a bagagem cultural dos estudantes, pois de acordo com Circe Fernandes Bittencourt [2011], os alunos trazem consigo um conhecimento prévio a respeito de contextos históricos seja por intermédio das histórias de vida a eles circunscritas, ou por intermédio dos meios de comunicação. Dessa forma, construir um aprendizado ou ampliar um conhecimento a partir da realidade do estudante levando em conta suas experiências, o levará a se reconhecer como sujeito histórico que produz cultura e é agente transformador da história.

Acrescido a essa ideia, os estudantes também poderão perceber que a disciplina de História não está longe deles, mas que está inserida em sua vida, ao mesmo tempo em que eles também estão alicerçados numa história, como poderá ser observado nas linhas abaixo a partir do relato da experiência desenvolvida com os alunos da colônia Água Branca.

Ensinar e aprender a história dos poloneses 
Os cemitérios possuem muitas histórias para serem contadas, por isso podem ser explorados didaticamente. Neles, são percebidas as transformações pelas quais passaram as sociedades, além de quebrar o paradigma de que o ensino de História é realizado somente na sala de aula, desmistificando aspectos acerca do espaço cemiterial, criando um novo olhar para este local, levando o estudante a adquirir novos conhecimentos através da observação dos objetos, das marcas e representações, através da observação-reflexão.

E foi pensando nos aspectos apresentados acima é que se propôs a atividade no cemitério da comunidade Água Branca para que os alunos olhassem a História dos membros dessa localidade a partir de elementos presentes nesse ambiente e percebessem que ele está integrado no conjunto da história dos imigrantes poloneses que deixaram suas marcas nesse local.

Os encaminhamentos metodológicos seguidos para o desenvolvimento da proposta estiveram pautados nas referências de Lourival Andrade [2017, p.413], que foram colocados em prática após a realização de uma visita preliminar de observação e exploração do espaço cemiterial. Nessa etapa inicial do planejamento contamos com a contribuição do zelador do cemitério, que há vinte anos exerce essa função, afirmando que ela foi fundamental, visto que o olhar de uma pessoa que convive e perpassa diariamente no interior desse campo santo pode esclarecer muitas lacunas. Dentre os elementos que deveriam ser observados pelos alunos no dia da visita temos: 

fotografias: marcas identitárias, apelidos, profissões, etnias, santos de devoção, portadores de necessidades especiais, morbidez, marcas sensíveis familiares [crianças, idosos, casais] 
arte cemiterial/funerária: símbolos, imagens pintadas, estatuária; 
epitáfios: poesias, declarações, desabafos, devoção; 
tipos de túmulos: a] pequenos [rasteiros e gradeados], também conhecidos como cova rasa; b] médios [individuais que contam com uma estrutura mediana de granito ou alvenaria]; c] grandes [jazigos que abrigam maus de corpo, como os reservados a determinadas famílias]; d] monumentais [com estrutura que se destaca em todo o espaço cemiterial por seu tamanho e sua suntuosidade]. 

Mas, as primeiras informações repassadas aos alunos antes que a visita fosse realizada, dizia respeito à construção inicial desse espaço que compõe à configuração da colônia, mostrando a eles que esse sítio foi o segundo local que abrigou o cemitério da comunidade, e que, anteriormente, estava situado em frente à igreja até o final do século XIX, e que foi sob a administração do Padre Jakob Wróbel que ocorreu a transferência para a parte mais baixa do terreno da igreja onde se encontra atualmente.

Foi no portal de entrada que separa o mundo dos vivos ao dos mortos que se indicou aos alunos o primeiro elemento que liga os moradores da comunidade ao país de origem daqueles que ali estão enterrados, ou seja, a cruz fixada no alto que abriga a representação de uma águia, símbolo da Polônia. 
A imagem dessa ave remete aos primórdios dessa sociedade, tanto na cunhagem das moedas quanto nos escudos dos soldados, porém, sem a presença da coroa que compõe a figura atualmente. A inclusão na representação ocorreu em 1295, durante a coroação do rei Przemysl II que, a começar de então, passou a utilizá-la em eventos da corte e do exército como brasão oficial da Polônia, modelo que foi seguido pelos demais reis que o sucederam. 

Doravante, a insígnia passou a compor o traje dos soberanos poloneses, das armas de defesa pessoal, nas bandeiras e no brasão, presente em todas as cerimônias oficiais.  Seu formato passou por modificações ao longo dos séculos, mas o significado não se alterou, sendo que a cor branca representa a pureza e o vermelho do fundo, sobre a qual ela repousa, a majestade.

Atualmente está representada no brasão oficial da Polônia com a coroa, de asas abertas e com a cabeça voltada para a direita, cujo bico e as esporas são dourados que se sobressaem no fundo vermelho. Para os poloneses ela remete a força, virilidade, vontade de persistir e a autonomia do Estado. 

Um elemento curioso nesse momento de início da visitação foi à constatação de que, mesmo os estudantes frequentando o cemitério regularmente, não haviam percebido a figura fixada no portal de entrada do cemitério e desconheciam totalmente o significado. E foi nesse momento que se recorreu a lenda dos três irmãos eslavos, Lech, Czech e Rus para explicar como os poloneses explicam sua origem no contexto histórico, nação de onde os fundadores da Colônia Água Branca vieram e trouxeram na bagagem costumes, crenças, tradições, que construíram a identidade deste local e moldaram o modo de viver de seus habitantes. 

Logo depois, foi explanado outro ponto sobre a história da chegada dos poloneses em Água Branca e a referência utilizada como ponto de partida para a explicação esteve relacionada à distribuição dos túmulos dentro do campo santo, na qual prevalece a ordem de chegada dos primeiros integrantes do grupo e de seus descendentes diretos, que estão sepultados à esquerda de quem entra no cemitério, agrupados numa mesma área. Na parte mais central estão os corpos das gerações seguintes dos imigrantes, os que foram chamados de “brasileiros”, que avançaram espacialmente um pouco mais da parte central para a direita. 

Contudo, mais distantes ainda, e na parte mais ao fundo e voltadas ao lado contrário da igreja São José, estão os outros corpos que se inserem numa categoria de restrição, que são formados por crianças que morreram sem o batismo, os adultos que perderam a vida de forma violenta, os afogados, enforcados e suicidas, cuja área limítrofe de enterramento está demarcada por uma grande cruz – a Cruz das Almas -, que os separa dos demais, como uma espécie de barreira. Porém, é necessário esclarecer que atualmente as distinções apresentadas acima não mais prevalecem.

MAPA 5 – CEMITÉRIO DA COLÔNIA AGRÍCOLA DE ÁGUA BRANCA

FONTE: Aurelino Kovalski

Este costume outrora praticado evidencia a construção de um imaginário social sustentado em mitos e crenças em relação à morte e ao destino dos corpos quando sepultados, os quais foram trazidos pelos primeiros moradores da colônia, que quando abordados com os alunos, é possível perceber e da mesma forma destacar, as diferentes maneiras de interpretação que prevaleceram ao longo do tempo no seio dessa comunidade. Em relação a um desses costumes, Aurelino Kovalski, comenta que, 

“supersticiosos, os colonos rezavam e seguiam ritualisticamente os costumes trazidos da Polônia, uma vez que os espíritos daqueles que morriam de uma forma inesperada, tida como trágica ou sem receber os sacramentos, tinham uma passagem traumática para o reino dos mortos. E por isso recebiam um tratamento distinto, seriam enterrados segundo um critério que designava o lugar de cada um no cemitério, conduzidos por ritos, orações e missas, acreditava-se na transformação de muitos em ‘fantasmas’ ou ‘demônios’. [2017, p.117]. 

Inclusive, os colonos imigrantes também reproduziram a crença de que as pessoas que tivessem uma morte trágica ou que não houvessem recebido os ritos sagrados da Igreja Católica, não teriam uma passagem tranquila para o reino dos mortos, e que a distinção se daria também no modo como seria sepultado, ficando fora do espaço do campo santo. Dentre as particularidades dessa referência está em não permitir que o caixão com o corpo de um suicida adentrasse no cemitério pelo portão da frente, isso porque era necessário que fosse transposto por cima do muro.  

Ao pararem diante dos túmulos observaram as inscrições, e em alguns deles encontraram o nome de familiares e amigos, bem como perceberam as diferentes simbologias que são utilizadas no ambiente do cemitério.

Esses entre outros aspectos que foram discutidos com os estudantes no espaço cemiterial despertou nesses indivíduos a reflexão sobre as práticas de enterramento no seio de outras sociedades, visto que elas não são uniformes e nem desenvolvidas da mesma maneira, impulsionando-os a conhecer mais informações principalmente sobre a história dos poloneses, fazendo interrelações na perspectiva micro e macro regional, além de perpassar pela referência temporal que foi identificada não somente observando a idade das pessoas falecidas, mas também pela arquitetura da sepultura, quando alguns túmulos ainda são mantidos originalmente e outros reformados.

O resultado da atividade pode ser visto como positiva e, desse modo, confirma-se que o cemitério pode ser considerado um excelente aliado na prática educativa, pois nele diversos aspectos da história e da cultura se fazem presentes que são trazidos à tona a partir de uma visita de estudos.  Autoras como Áurea da Paz Pinheiro e Sandra C. A. Pelegrini [2010, p. 21], reforçam a necessidade de os educadores investirem em novas possibilidades de trabalho no ensino de História, propiciando aos estudantes compreender a sociedade na qual estão inseridos,

Os educadores assumam esse compromisso e criem possibilidades de trabalhos teóricos e de campo para auxiliar a comunidade no processo de interlocução com a memória, com os lugares de memória, com a história local. É preciso despertar as populações para a percepção e valorização de lugares, de saberes, de celebrações, por meio de apreensões visuais dos bens da comunidade.

Referências
Dra. Maura Regina Petruski é professora de História Antiga da Universidade Estadual de Ponta Grossa [UEPG].
Ms. Marizete Kasiorowski Kolinski é professora do Núcleo Regional de Educação do Estado do Paraná.

ALMEIDA, Marcelina das Graças.  Memória e História: o cemitério como espaço para a educação patrimonial. Disponível em
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1437954075_ARQUIVO_ARTIGOCOMPLETOANPUH2015.pdf. [Iinternet]

ANDRADE, Lourival.  Dos horrores aos humores: os cemitérios no cordel brasileiro: Revista M., v.2, p. 412-437, 2017. [artigo]

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª Ed. São Paulo, 2011. [livro]

KOVALSKI, Aurelino. Os Polacos de Água Branca. Curitiba: Editora Optagraf, 2017. [livro]

NORA, Pierre. Entre memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10, p.6-39, dez 1993. [artigo]

PASTORE, Maria Cristina. A morte como tema interdisciplinar de aprendizagem histórica em espaço não formal. Disponível em
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439177352_ARQUIVO_MariaCristinaPastoreAmortecomotemainterdisciplinarSimposiorevisadoecommudancas.pdf. [internet]

PELEGRINI, Sandra C.A. & PINHEIRO, Áurea da P.[org]. Tempo, Memória e Patrimônio Cultural. Teresina: EDUFPI, 2010. [livro]

RIGO, Kate Fabiano. Cemitérios: um espaço religioso e educativo. Disponível em
file:///C:/Users/user/AppData/Local/Packages/Microsoft.MicrosoftEdge_8wekyb3d8bbwe/TempState/Downloads/103-627-1-PB%20[1].pdf. [intenet]



8 comentários:

  1. Boa tarde, Maura e Marizete. Como foi a receptividade dos alunos quando eles ficaram sabendo desta atividade? Os alunos produziram algum registro após a visita ao cemitério?

    Ademais, parabéns pela prática aplicada.
    Att. Priscielli do Carmo Rozo Cerdeira da Rosa

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    1. Olá Priscielli, obrigada por ler nosso texto!!!
      Essa atividade fez parte de um projeto mais amplo e também visitaram a igreja da colônia. Posteriormente, conversaram com moradores mais velhos da comunidade para saberem mais referências sobre os antigos habitantes. Fizeram uma exposição com os registros e produziram materiais escritos.

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  2. Boa tarde. Gostaria de saber se os alunos ao participarem dessa experiência sabiam alguma história popular sobre o cemitério? Qual é a dificuldade em trabalhar nesses espaços com os alunos? Além disso, pensando na história local, o cemitério pelo ambiente em si quando se pensa em trabalhar, a meu ver, é algo que suscita interesse nos estudantes. Assim gostaria de saber se procuraram despertar a curiosidade dos alunos sobre outros aspectos/lugares da história local? Os alunos também tiveram mais algum interesse, por iniciativa própria, por algum outro aspecto da história local a partir dessa experiência?

    Leticia Arrabar

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  3. Olá Letícia, obrigada por ler nosso texto!!!
    A princípio, viam esse espaço somente como depositário de corpos, não o observavam como potencial de análise histórica que pode ser utilizado por distintas áreas.
    A dificuldade é vencer muitas vezes o medo que esse local está envolto, principalmente porque várias histórias foram construídas a partir dele, o desconhecido, questões religiosas e imaginários sociais.
    Visitaram também a igreja da comunidade.
    Ficaram interessados e realizaram outras atividades a partir de então, convidaram moradores mais antigos da comunidade para irem à escola para revelar outras informações sobre os poloneses. Também foi realizado uma exposição na escola com objetos pertencentes a suas famílias que remetiam a essa etnia.

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  4. olá Parabéns pelo trabalho em busca da consciência cultural à novos paradigmas de vida e morte além do sepultamento. Nesta ótica como a aceitação e o efeito dessa quebra do medo e do miticismo religioso se manifestaram de qual forma se manifestaram nos alunos?

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  5. Olá George, obrigada por ler nosso texto!
    Inicialmente ficaram apreensivos pois não viam esse local como espaço de aprendizagem. Aulas teóricas sobre questões relacionadas ao cemitério foram ministradas, assim, de certa forma, chegaram com uma outra visão. A visitação feita em grupo também é outro fator que auxiliam o rompimento de barreiras bem como a desconstrução de ideias pré estabelecidas referente a aspectos relacionados a morte.

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  6. olá ! muito bom o alcance de mudanças e significações com o projeto, diante disso tem se pensado em outros espaços históricos referentes aos moradores poloneses e de outras culturas ?

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  7. Olá!!!
    Acredito que conseguimos atingir nosso objetivo com o projeto.
    Num primeiro momento não pensamos em estender a proposta para outras localidades, temos em mente ampliar o mesmo para outros aspectos dentro da mesma comunidade.

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