Layane de Souza Santos


PRÁTICAS DE LETRAMENTO CIENTÍFICO NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA [BELÉM-PA]



O presente trabalho visa apresentar os resultados finais de uma vivência escolar, obtida por meio do programa Residência Pedagógica de História da UFPA. A experiência aconteceu na EMEIF Professor Francisco da Silva Nunes, em Belém [PA] com alunos do sétimo ano do ensino fundamental. Por meio de um diagnóstico da realidade escolar, decidiu-se refletir com a turma questões relacionadas às “notícias falsas” mostrando como ao longo dos séculos informações falsas existiram. Assim, o enfoque será dado ao momento das “grandes navegações” e das “descobertas” da época acerca de um “novo mundo”. Por meio da temática proposta pode-se ajudar os alunos a entenderem sobre o assunto e perceber a sua importância, além de acompanhar o processo de escrita e leitura dos mesmos. A metodologia utilizada perpassou por aulas dialogadas e expositivas. Utilização de textos, pinturas e gravuras do século XV, XVI, jornais, redes sociais dos dias atuais, a partir De adaptações da ideia de “aula-oficina” proposta por Isabel Barca [Barca, 2004].

A Residência Pedagógica, articulada aos demais programas da Capes compõem a Política Nacional tem como premissas básicas o entendimento de que a formação de professores nos cursos de licenciatura deve assegurar aos seus egressos, habilidades e competências que lhes permitam realizar um ensino de qualidade nas escolas de educação básica. Desta forma, mesmo antes de iniciarmos os trabalhos de forma efetiva nas escolas selecionadas, passamos alguns meses pesquisando, lendo e discutindo a respeito das problemáticas que possivelmente iríamos nos deparar nas escolas, uma grande dificuldade que no geral é apontada por colegas de profissão é em relação à condição não letrada dos alunos.

Segundo Helenice Rocha, a falta de domínio da leitura e escrita é um problema que afeta diretamente o ensino e aprendizagem de História. [Rocha, 2010, p. 121].

E para além da escrita quirográfica ainda temos o letramento dos alunos nos assuntos digitais. Estamos vivendo na era da comunicação em massa e um crescimento grandioso da internet e de aparelhos moveis para acessa - lá com rapidez e facilidade. Segundo a última pesquisa do IBGE, cerca de 116 milhões de brasileiros [64,7], pessoas acima de 10 anos, têm acesso a internet. Por outro lado, cerca de 12 milhões de brasileiros compartilharam notícias falsas somente no período eleitoral de 2018.

Com um olhar panorâmico sobre a turma onde o trabalho foi realizado, é possível perceber que mesmo sendo alunos tão novos [idades que variam entre 10 a 14 anos], cerca de 70% deles têm um smartphone e os que não tem, estão aguardando a oportunidade de ganhar um dos pais etc. A educação em relação ao uso destes produtos e do acesso à internet é fundamental. A manipulação de informações veiculadas pelos meios de comunicação é um debate muito antigo. Porém, diante do poder e da rapidez de alcance das fake news, o fenômeno torna-se ainda mais difícil de ser combatido [...] Especialistas apontam que uma das medidas mais importantes é investir com mais urgência e intensidade no que se chama de “alfabetização midiática”, que, segundo a Unesco, significa capacitar as pessoas para “compreender as funções da mídia e outros provedores de informação, a avaliar criticamente seus conteúdos e, como usuários e produtores de informação e de conteúdos de mídia, a tomar decisões com base nas informações disponíveis”. De forma não tão explícita, o tema já estava presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais [PCN] de 2000, que determinavam que, no Ensino Médio, entre as competências a serem desenvolvidas com os estudantes deveria estar a de “entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte e aos problemas que se propõem a solucionar”.  [Instituto Unibanco, 2018].  Apesar dessa aparição de questão midiáticas somente no ensino médio quando se trata de PCN, está cada vez mais claro que esse debate se faz importante na escola.

Nesse cenário, mostra-se fundamental desenvolver o pensamento crítico dos alunos com relação ao que leem, compartilham e produzem na internet. Essa abordagem está prevista na Base Nacional Comum Curricular [BNCC] e é, também, defendida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco]. [Fernandes, 2018].

O ensino de História pode ser ferramenta poderosa no esforço necessário para instrumentalizar a sociedade com mecanismos de identificação e combate às Fake News. Ao abordar a construção do conhecimento a partir da pesquisa e da contraposição de informações, do reforço da habilidade de interpretação e problematização, podemos constituir uma compreensão mais apurada do processo de criação e divulgação de informações, seus interesses econômicos, ideológicos e culturais. [Reisdorfer, 2017, p. 427].

Passo a passo da atividade
Esta atividade foi desenvolvida em quatro aulas de 45 min cada e para a realização desta primeira etapa contamos com auxílio do data show. No primeiro dia fizemos uma introdução ao assunto, comentando primeiro sobre as grandes navegações, que era o contexto e temática que vínhamos discutindo nas aulas. A chegada dos europeus no Pindorama, as percepções que os mesmos tiveram da terra e das pessoas que já habitavam aqui. Assim discutimos o tema através de algumas gravuras famosas que tinham como pretensão mostrar o cotidiano indígena na época, porém, com uma análise entre o que queria ser passado e o que poderia vir a ser realidade. É importante comentar que podemos e devemos ir desenvolvendo o senso crítico do aluno para a leitura daquilo que é apresentado ao mesmo, levantar questionamentos sobre as imagens que são mostradas e ajudá-los a compreender os múltiplos discursos que podem estar por trás de uma informação [assim como nas notícias falsas], levá-los a pensar que existem vários pesquisadores que se atentam há um fato, um tema e a partir podem e surgirão muitos resultados e descobertas de um mesmo assunto.
Dito isto, mostramos aos alunos algumas comparações de gravuras e um pouco das mudanças que as mesmas sofreram para adequar-se ao o que se pretendia mostrar. Assim também como multiplicação de imagens, personagens que foram apagados etc.
Como podemos observar na imagem abaixo [uma das que foram utilizadas em sala de aula com os alunos].


Fonte: CHICANGANA-BAYONA, Yobenj Aucardo. Do Apolo de Belvedere ao Guerreiro Tupinambá: Etnografia e convenções renascentistas. HISTÓRIA, SÃO PAULO, v. 25, n. 2, p. 20, 2006.

Durante a discussão sobre o assunto, os alunos se mostraram bastante curiosos, fizeram muitas perguntas sobre as imagens, observaram muitos detalhes minuciosos. Após esta etapa, partimos para outra, comentamos sobre como mexer em imagens para mostrar uma realidade diferente, inclusive acontece muito hoje em dia, com o advento das redes sociais, das selfies entre outros. É importante pontuar que toda a discussão foi feita com muito cuidado, por conta do tão temido anacronismo entre os historiadores. A partir deste momento, com uma passagem de tempo, introduzimos a atualidade, as notícias falsas hoje em dia. Para tratar deste assunto foram utilizadas notícias a respeito do tema, mostrando como a fakenews tem um impacto muito grande, a nível local, nacional, mundial, dependendo de qual notícia foi criada. Neste momento os alunos comentaram bastante também, sobre notícias falsas que os mesmos já tinham conhecimento.


Fonte: Acervo pessoal

Nesta imagem, temos muitas informações, os alunos comentaram bastante sobre, em especial a respeito do Donald Trump e Jair Messias Bolsonaro, comentaram sobre o jornal que assistem com os pais e por isso também conhecem essas pessoas, muitos ainda comentaram sobre outras figuras do cenário internacional, como Vladimir Putin entre outros. Por vezes, subestimamos os alunos, por pouca idade, por muitas vezes parecerem não prestar tanta atenção nas aulas, mas, com esta atividade ou qualquer outra, onde os instigamos, podemos aprender tanto com eles e observar a quantidade de informações que os mesmos tem e por vezes não utilizam.
Na etapa seguinte, após falarmos sobre as notícias falsas e seus impactos para a sociedade de forma negativa, muitas coisas ruins e preocupantes que já aconteceram em decorrência deste tipo de ação. Começamos a comentar sobre como podemos evitar e como não cair neste tipo de coisa, conversamos sobre quais medidas eles poderiam tomar com seus pais, pois, muitos comentaram que os pais caíram em notícias falas entre outros.  Discutimos essas medidas.

No próximo momento, começamos a desenvolver a etapa de fabricação de jornais artesanais pelos alunos, eles foram divididos em trios e duplas para a atividade. As temáticas que os jornais iriam abordar já haviam sido selecionadas de antemão; os alunos sorteariam uma notícia, seja ela falsa ou verdadeira e teriam que defender a sua noticia, montariam o jornal e por fim, fariam uma apresentação oral sobre a notícia. Haviam quatro temáticas, duas notícias falsas que já foram desvendadas, os alunos defenderiam a verdade sobre a notícia e a parte falsa, mas como se estivessem plantando aquela notícia e quisessem nos convencer sobre a veracidade não tão verossímil assim, uma notícia sobre consequências de fakenews em nosso cotidiano, nossas vidas e ainda uma notícia sobre como podemos nos defender disso.

Os alunos foram extremamente criativos, desde os nomes dos seus jornais, há forma como ilustraram, construíram a notícia. Sempre auxiliando os mesmo para que a atividade fosse finalizada da melhor forma. A etapa final que consistia na apresentação foi muito divertida, os alunos estavam meio tímidos no início, mas, depois mostraram seus trabalhos e suas ideias, defenderam o proposto, a cada notícia apresentada, havia uma discussão com a turma sobre a notícia, se eles acreditavam que verdadeira ou falsa e dessa forma, todos se envolveram.

Considerações finais
Ao fim da atividade e reflexão sobre a mesma, obervamos que os alunos conheciam muito sobre internet, redes sociais, youtube, muitas coisas que poderiam ajudar eles na escola, nas atividades, as aulas etc, porém, faltava um direcionamento de como fazer a utilização deste tipo de instrumentos para os estudos. Como quando os alunos foram questionados sobre quem assistia youtube, basicamente todos disseram que “Sim”, mas, quando questionados se já haviam assistido alguma aula ou algo do tipo, 98% responderam que “Não”. Quando as possibilidades foram mostradas, canais foram indicados, foi uma outra percepção, eles sabiam que esse aplicativo poderia ser utilizado para aula, mas, nunca se sentiram animados para isso; quando mostrado aulas “diferentes”, com professores caracterizados de personagens, por exemplo, foi uma outra visão sobre.

Como já descrito, uma das proposições do projeto do Programa Residência Pedagógica em História é a questão do letramento científico a partir de suas várias perspectivas. No mundo atual, o letramento das pessoas em formação perpassa também por aprendizagem sobre questões da internet, pois, é nítido que essa geração está tendo cada vez mais dificuldade com a leitura e escrita, alguns apontam que seja por conta do crescimento da internet e das mídias sociais. Por isso, o ensino de história não pode ficar alheio a estas questões. Com o trabalho, além de uma reflexão de questões contemporâneas como os usos da internet com criticidade, trabalha-se também no Ensino Fundamental II com leitura, escrita, manuseio de fontes históricas variadas. Dessa forma, relaciona-se assim, o saber histórico escolar com o cotidiano dos alunos da educação básica.

Referências
Layane de Souza Santos, graduanda em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Pará.

BRASIL. Ministério da Educação. Governo Federal. Base Nacional Curricular Comum: BNCC-APRESENTAÇÃO. Disponível em: 
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em: 17 de Fev. 2019.
[internet]
BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação [CIED]/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131 – 144. [artigo]
CHICANGANA-BAYONA, Yobenj Aucardo. Do Apolo de Belvedere ao Guerreiro Tupinambá: Etnografia e convenções renascentistas. HISTÓRIA, SÃO PAULO, v. 25, n. 2, p. 15 - 47, 2006 . [artigo]
CUNHA, Manoela Carneiro da. “Introdução a uma história indígena”. In: Manuela Carneiro da CUNHA [org]. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1992, p. 9 – 24. [artigo]
Diário de Pernambuco Acesso em: 16. 02. 2019
Disponívelhttp://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/politica/2018/01/02/interna_politica,736566/fake-news-12-milhoes-de-pessoas-compartilham-informacoes-inveridicas.shtml [internet]

FERNANDES, Fernanda. Educação para as mídias no combate às fake news. Disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/14437-educa%C3%A7%C3%A3o-para-as-m%C3%ADdias-no-combate-%C3%A0s-fake-news  Acesso em: 24 de fevereiro de 2019. [internet]

 

Fundação CAPES. Disponível em:

https://www.capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-pedagogica  Acesso em: 16 de abril 2020. [internet]

 

G1 Economia  Acesso em: 16. 02. 2019
Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/brasil-tem-116-milhoes-de-pessoas-conectadas-a-internet-diz-ibge.ghtml [internet]

 

HARTMAN, Thekla. “A contribuição da iconografia para o conhecimento de índios brasileiros do séc. XIX”. Coleção Museu Paulista. São Paulo: Museu Paulista, 1975, p. 67 – 94. [artigo]

INSTITUTO UNIBANCO. Aprendizagem em foco. Nº 42. Setembro, 2018. [livro]

PRADO, Losana. FAKE NEWS E ENSINO: O TRABALHO DO PROFESSOR DE ENSINO BÁSICO NO COMBATE À NOTÍCIA FALSA. In: 7º Congresso Pesquisa e Ensino. Inovação Educação O tempo dos professores, 7, São Paulo, 2018. [artigo]

RAMINELLI, Ronald. Eva Tupinambá. In: Priore, Mary & PINSKY, Carla Bassanezi. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2017.p. 11- 44. [artigo]

REISDORFER, Thiago. FAKE NEWS EM SALA DE AULA: O ENSINO DE HISTÓRIA E INFORMAÇÃO NO TEMPO PRESENTE. Aprendizagens Históricas. [S.N.] Brasil, 2017. [livro]

5 comentários:

  1. Oi,Layane. Projeto muito criativo e de extrema importância. Parabéns 👏

    No seu quadro das fakes News, assim que apresentado, você diz qud os alunos trouxeram algumas informações relacionadas ao Trump, Bolsonaro e Putin. De fato, hoje em dia, as Fake News estão mais evidentes nos acontecimentos políticos, o que acaba baseando a opinião política de muitos que promovem a sua intensa divulgação, entre os quais, com certeza e possivelmente os familiares de seus alunos que podem ou não estar se apropriando delas para a construção da própria identidade.

    Neste sentido, como foi a recepção?! Eles apontaram as fake news relacionada a política como uma notícia falsa ou não?! Houve alguma situação desconfortavel nessa etapa da aplicação do projeto ou foi uma intervenção mais tranquila?

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    1. Assinado: Talita do Rosário

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    2. Olá Talita, obrigada pela pergunta e fico feliz que tenha gostado do texto!
      Então,os alunos levaram muitas percepções para a sala é comentaram bastante sobre fakenews que os pais teriam compartilhado em relação a política e políticos e que eles sabiam que não era verdade, assim como comentaram muito sobre outras notícias que no geral circulam em forma de mensagens no Whatsapp por exemplo. Um dos jornais artesanais feitos, falava sobre as consequências das notícias falsas na vida das pessoas e eles utilizaram a marginalização da Comunidade Lgbtqi+ como exemplo, sem eu ter levado notícia alguma sobre o tema para a sala de aula. Quanto a outra pergunta, eu me preparei muito para a aula, sabia que era um tema delicado etc, dialogue bastante com a professora que eu acompanhava e que me deixou livre para realizar a atividade. O fator essencial também era conhecer bastante os alunos, então eu já esperava de onde poderiam vir comentários complicados, mas, ocorre tudo tranquilamente.

      Ass: Layane de Souza santos

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  2. Gostaria de compreender com que conceito de letramento você opera e quais seus referencias teóricos utiliza para tratar práticas de letramento?
    Patricia Bastos de Azevedo

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    1. Olá Patrícia, obrigada pela pergunta.
      Durante as formações do programa residência pedagógica estudamos como o letramento é fundamental também para a disciplina de história e como essa disciplina pode ajudar a desenvolver a escrita dos alunos.
      A autora que mais busquei foi a Helenice Rocha, um dos exemplos é o texto "A escrita como condição para o
      ensino e a aprendizagem de história", que fiz uma citação ao longo do escrito.

      Ass: Layane de Souza Santos

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