Ana Carla Rodrigues Ribeiro


OS JORNAIS “LA PROTESTA HUMANA” [1897-1901] E “O AMIGO DO POVO” [1902-1904] NA SALA DE AULA: POR UMA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA LATINO-AMERICANA



A formação da consciência histórica, conceitualizada pelas perspectivas de Jörn Rüsen, é uma das funções que atribuímos ao Ensino de História na atualidade. Essa é caracterizada como a capacidade de mediar as questões do presente a partir das experiências do passado, construindo uma narrativa sensível e coerente entre passado e presente, e assim, uma continuidade prática para agir diante das situações cotidianas, dando perspectiva ao futuro [Rüsen, 1992, p. 5-6]. Apesar do tema da consciência histórica ter ganhado atenção entre as discussões teórico-metodológicas do ensino de história, ainda podemos perceber uma lacuna quanto a abordagem da identidade latino-americana dentro da mesma [Conceição, Dias; 2011, p. 175]. Podemos vincular a isso o fato de que ao aumentar a demanda das discussões teóricas, as discussões a respeito do conteúdo do ensino têm sido deixadas de lado [Martins, 2012, P. 47]. Aqui, gostaríamos de assinalar que ambos são importantes para o nosso contexto educacional.

A defesa de uma consciência histórica que inclua as experiências latino-americanas contém uma moral e um parecer político específicos, que é a de sustentar que houveram e ainda há o compartilhamento de vivências entre os povos latino-americanos. A colonização, os movimentos de independência no século XIX, e as ditaduras militares no século XX, são apenas os eventos históricos mais óbvios que podemos citar. Sem deixar de valorizar as experiências individuais de cada nação ou país, podemos construir uma narrativa que dê sentido comum à construção da América Latina, expandindo o escopo de temporalidades e identidades que o aluno pode ter, somando tais à sua consciência histórica.

Nesse sentido, também podemos questionar qual tipo de consciência histórica queremos direcionar ao aluno. Sem dúvida que os termos do filósofo Jörn Rüsen é assinalar para uma consciência histórica mais como uma ferramenta do conhecimento, e não como perspectiva já pré-concebida acerca do nosso mundo; a teoria de Rüsen é justamente sobre questioná-los, sobre formar nossos próprios critérios. Somando a perspectiva do autor, devemos pensar em nosso contexto e no local que ocupamos - visto que, óbviamente, o próprio fala de um lugar social completamente diferente do nosso -, e direcionarmos o questionamento também para o conteúdo da narração: quem são os protagonistas da nossa narrativa histórica?

Não precisamos ir muito longe para afirmarmos que a grande protagonista da história que ainda narramos hoje é a Europa [aqui colocado como um sujeito hiperreal]. A discussão do eurocentrismo na historiografia não é nenhuma novidade, nomes como Edward Said, Jack Goody, Guerreiro Ramos e, mais recentemente, Dipesh Chakrabarty, são alguns dos intelectuais que vêm denunciando isso, alguns desde o século passado [Martins, 2012, p. 6]. Apesar disso, também nos é consciente que entre as discussões dentro do meio acadêmico, e a efetivação de tais críticas no currículo escolar, há um abismo.

Podemos afirmar que desde o século XIX - quando a História ganha seus ares de ciência e se torna uma disciplina oficial - a história eurocêntrica se consolida nas escolas, sendo modelo teórico ou a base para os conteúdos. A chamada “História Geral” ganha a maior parte dos capítulos de livros didáticos, salvo as partes reservadas para a História do Brasil, que, por sua vez, segue o modelo da historiografia francesa nacionalista. Não há muito tempo atrás, a história da humanidade começava na Grécia Antiga, e os povos ameríndios só eram incluídos mil e quinhentos anos depois, no compêndio das “descobertas” portuguesas e espanholas. Assim, a História do Brasil, e da América, começa apenas quando os europeus aqui chegam [Martins, 2012, p. 42-44]

Mesmo com as reformas na grade curricular advindas com o Estado Novo, e a necessidade de implementar a História do Brasil visualizando uma identidade nacional mais concisa, a origem do Brasil ainda é assimilada ao contato com os europeus, sendo esses responsáveis por nos transformar em uma civilização [Martins, 2012, p. 48]. De mesma forma, a História da América fica com pequenos pedaços dentro da História Geral, explicada pelo ponto de vista europeu.

As reformas mais recentes expandiram o tratamento da História da América, foram acrescentados conteúdos como a “américa pré-colombiana”, expandindo as ideias das raízes culturais latino-americanas. Além disso, a busca pela flexibilização dos currículos para pontos de vista que incluam perspectivas de mentalidade e cultura, também assinalam para uma maior dinamização dos conteúdos. Entretanto, ainda assim, os tópicos de história em sala de aula ainda tangem uma identidade ligada a Europa, mesmo quando a discussão se compromete com a identidade brasileira [Martins, 2012, p. 120].

Nesse sentido, expomos nosso trabalha como a defesa de ilustrar o imaginário dos alunos com referenciais de uma identidade latino-americana, para que sua consciência histórica assimile as noções de poder específicas de nosso contexto, expandindo sua prática no presente, seu julgamento de valores, a partir de um passado que reflete estruturas de domínio até hoje vigentes. Para além de uma narrativa que nos ensine a ver o passado relacionado a uma moral europeia e cristã, assinalamos para uma narrativa que nos fornecerá experiências para criticar a mesma, uma identidade que também vá além da nação, e procure pares nos eventos que permeiam nossa história.

HistóriaComparada da América Latina: a educação anarquista nos periódicos “La Protesta Humana” [1897-1901] e “O Amigo do Povo” [1902-1904]
A História Comparada traz ao historiador a necessidade contínua de repensar o próprio processo de fazer história, constituindo tanto rupturas quanto continuidades entre os seus recortes, trazendo várias possibilidades para o historiador: fazer analogias, identificar variações de um mesmo processo, ou até mesmo a completa diferença [Barros, 2007, P. 2-5]. Aqui, se utilizando do jornal como fonte na sala de aula, propomos a análise conjunta de dois periódicos: La Protesta Humana, de Buenos Aires, sendo nosso recorte de 1897 até 1901; e O Amigo do Povo, do Rio de Janeiro, em atividade de 1902 a 1904. Ambos os jornais têm como proposta uma base política anarquista, e a divulgação dos ideais do mesmo; além disso, uma forte conexão com a remanescente classe operária da época, e intelectuais que se dedicavam para a propagação de ideais políticos.

As pesquisadoras Schmidt e Cainelli [2004] nos elucidam acerca de uma possibilidade de uso dos jornais como fonte em sala de aula. Ao trazer um documento para os alunos, o primeiro olhar vai ser mediado pelo professor, que deve estimular o aluno na identificação da fonte mesma: com qual linguagem ela nos conta a história? [imagem, texto, etc]. Após, o professor deve esclarecer palavras desconhecidas e, ainda, informar ao aluno qual a origem do discurso ou da fonte [relato, imprensa, oficial, etc]. A partir disso os alunos são instigados a fazer perguntas ao documento: “quem fez o documento?” “para quem era destinado o documento?”

A segunda etapa consistiria na contextualização feita por parte do professor e, em seguida, formar uma opinião acerca do documento em conjunto com os alunos e os dados obtidos pelos mesmos. Nessa última parte, uma narrativa acerca do documento, junto com os conteúdos apreendidos ao longo dessa e outras aulas, vai ser construída; é onde o aluno vai dar sentido àquele documento analisado ao longo da aula [Schmidt, Cainelli, 2004].

Nos dois jornais podemos encontrar pontos em comum para discussão, principalmente relacionados com a ética e a política anarquista, como a emancipação feminina, a denúncia a moralidade cristã e as clássicas oposições ao Estado e sua burocracia. Entretanto, fizemos o recorte acerca de como a educação era entendida no meio anarquista a partir desses jornais latino-americanos, sendo que o próprio periódico era visto como um meio pedagógico já que ele divulgava as ideias anarquistas para seu público. Isso se dá porque, dentro do anarquismo, a educação e a propaganda política também são formas de ação direta [Gallo, 2007]. Podemos definir que a ação pedagógica, para o anarquista, é concebida enquanto uma ação direta, posto que ela interfere diretamente no indivíduo.

Da mesma forma, a ciência tem papel fundamental para essa formação pedagógica do indivíduo, sendo ela um dos critérios para a educação libertária. Assim, a instrução tem valor político para os anarquistas, incluindo a ciência. Os anarquistas não concordavam com o uso despótico da ciência e da tecnologia feito pelos burgueses, que se utilizaram dessas para intensificar a exploração do trabalhador - como o foi a Revolução Industrial. Desse modo, ciência e educação deveriam andar lado a lado com o propósito de desenvolver uma mentalidade crítica entre os trabalhadores e oprimidos, a fim deles se encaminharem para sua própria libertação [Moriyón, 1989].

Em ambos os jornais propostos para a análise há defesa do conhecimento como um campo de luta e ação:

“La maldad triunfante nos há hecho sedientos de justicia; el estado de opresión em que vivimos nos hace amar á la liberdad com delírio, la generalización de las ciencias há contribuído em hacernos hombres conscientes. La observacion y el estúdio nos han revelado la causa terrible delencia que aqueja a la humanidade: [...] De nuestros ideales deseamos hacer participe al público inteligente, exponiéndolos com la mayor claridade posible y detendiéndolos com lógica argumentación.” [La protesta humana, n. 1, 1897, p. 1]

“La instrucción es necesaria para el desarrollo cerebral, como lo es la gimnasia para el muscular. Además, aspirando el hombre á la más amplia y efectiva libertad, no puede prescindir de la instrucción; porque la libertad únicamente la conquista el hombre con su saber, con la consciencia de su valía [...]; porque sin ella no hay arte, no hay ciencia, no hay progreso, no hay bienestar. Fundamento social debe ser, pues, la instrucción para todos los seres, y enteramente integral.” [LA PROTESTA HUMANA, n. 55, 1899]

“Quaes os meios de combate ao alcance do proletariado? Apparece no primeiro plano a instrucção; mas pode instruir se, o proletario? Tem elle por ventura tempo para estudar, dinheiro para livros? Que seria dos governantes se os operarios conseguissem instruir-se e assim, conhecessem as injustiças os roubos e os crimes praticados pelas classes dirigentes? Por isso os exploradores impedem que os explorados se instruam; isso seria o mesmo que o seu suicídio. Brutos, governam-se sempre, mas homens esclarecidos, nunca! [...]
Sem dúvida amamos a instrucção, mas a boa, a verdadeira, a que obteremos pela revolução e que não poderá ficar sob a influência do Estado, nem da religião, nem em poder dos capitalistas” [O amigo do povo, n. 2, 1908, p. 1]

Podemos identificar em ambos o vocativo à ciência e a razão como meios para interpretar os fenômenos sociais:

“Siendo la ciencia la enemiga natural y declarada de toda la falsedad y opresión, por ser esencialmente filantrópica é investigadora de la verdad, por consecuencia de este antagonismo, es el primer fator del progreso en todas sus manifestaciones, y su desarrollo, su difusión, el mejor medio para regenerar á la sociedad, allanando el camino á la revolución, social, inevitable, y el más firme sostén de la sociedad futura.” [La protesta humana, n. 24, 1898]

“Na ordem moral, observando todas as religiões, todas as explicações theogônicas, toda a sciencia biblica, com bases assentas na crença do sobrenatural, colocamol-as de lado e usamos do methodo experimentalista que nos conduz ao materialismo cientifico. [...] É assim que procedem os homens de sciencia, Ide a uma reunião de sábios de valor authentico! É tudo ha de mais libertário. Nem votações, nem imposições. Apresentam-se argumentos, deduzem-se provas e os assistentes concordam ou não.” [O amigo do povo, n. 4, p.1]

Assim, podemos identificar que em ambos a ciência é usada como um meio de emancipação do oprimido, ela é utilizada para explanar a exploração e o domínio capitalista, ao mesmo tempo que a ciência burguesa, aliada à tecnologia e a urbanização, era denunciada. O conhecimento deveria ser um aliado à luta anarquista, e o jornal era tido como um meio de divulgá-lo, promovendo assim uma educação libertária, que é independente do Estado e da Igreja [Silva, 2013].

Para os escritores do jornal fica evidente a necessidade de não só ocupar esse espaço, mas contribuir de algum modo para a formação da consciência do homem – seu lugar como sujeito, as condições sociais que lhes são impostas, a busca pela liberdade – e assim, fomentar sua busca pela emancipação social. Para os anarquistas que escreviam naquele jornal, o periódico seria um meio para alcançar essa visão crítica, pois seria através das suas denúncias que o sujeito teria conhecimento das atrocidades que o cercam, e tendo consciência disso, ele poderia voltar-se contra essas mazelas: “Se o operario fosse esclarecido soffreria por mais tempo a existencia de parasitas tão insupportaveis como os chefes os padres e os governantes de todos os gêneros?” [O amigo do povo, n. 2, p. 1]. Primeiro viria a destruição das “deficiências da burguesia” e depois a construção de novos ideais: “En primer término encuéntrase la crítica del régimen burguês, señalando sus deficiências [...]. Pero como no basta destruir, si que también es necesario construir.” [La protesta humana, n. 41, p. 3]

Conclusão
Para concluir, gostaríamos de ressaltar o propósito aqui defendido. O intuito de usar os jornais citados em sala de aula vai de encontro com a necessidade em formarmos uma consciência latino-americana, que ainda possui defasagens dentro do ensino de história nas instituições educacionais. Utilizamos periódicos como fonte, sendo esses documentos da Argentina e do Brasil, assim, intencionamos que o aluno compare essas fontes e entre em contato de forma íntima com as similaridades dos países que podemos chamar “latino-americanos”. Além disso, o uso de fontes permite ao aluno que entenda o processo de escrever, e assim possa ser crítico para construir sua própria narrativa. Por sua vez, a necessidade de narrar uma história latino-americana vem de encontro com a necessidade de superar o eurocentrismo que permeia as historiografias e, principalmente, as salas de aula. Devemos buscar o protagonismo de nossa própria História, juntamente com a identificação em um outro que não seja o “Velho Mundo”, mas, antes, os nossos vizinhos latinos, com quem compartilhamos momentos históricos que até hoje refletem na constituição de nossa sociedade.


Referências
Ana Carla Rodrigues Ribeiro graduou-se em História pela Universidade Estadual de Maringá [UEM] em 2020

BARROS, José D'assunção. História Comparada: um novo modo de ver e fazer história: Um novo modo de ver e fazer História. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-30, jun. 2007. [artigo]

CONCEIÇÃO, Juliana Pirola da; DIAS, Maria de Fátima Sabino. Ensino de História e consciência histórica latino-americana. Rev. Bras. Hist., São Paulo, v. 31, n. 62, p. 173-191, Dec. 2011. [artigo]

GALLO, Silvio. Pedagogia libertária: anarquistas, anarquismos e educação. São Paulo: Imaginário; Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2007. [livro]

MARTINS, Marcel Alves. O eurocentrismo nos programas curriculares de história do estado de são paulo: 1942-2008. 2012. 153 f. Dissertação [Mestrado] - Educação: História, Política e Sociedade, Pontifícia Universidade de São Paulo [PUC-SP], São Paulo, 2012. [livro]

MORIYÓN, F. G. [org]. Educação Libertária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. Trad. José Claudio de Almeida Abreu. [livro]

RÜSEN, Jorn. El desarrollo de la competência narrativa en el aprendiaje histórico. Una hipótesis ontogenética relativa a la conciencia moral. Revista Propuesta Educativa, Buenos Aires, Ano 4, n.7, p.27-36. oct. 1992.Tradução para o espanhol de Silvia Finocchio. Tradução para o português por Ana Claudia Urban e Flávia Vanessa Starcke. Revisão da tradução: Maria Auxiliadora Schmidt. [artigo]

SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004. [livro]

SILVA, Rodrigo Rosa da. ANARQUISMO, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO: Francisco Ferrer y Guardia e a rede de militantes e cientistas em torno do ensino racionalista [1890-1920]. 379 f. Tese [Doutorado] - Curso de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

8 comentários:

  1. Olá Ana. Gostaria que você falasse um pouco do processo de preparação das aulas utilizando os jornais, o preparo, a ideia metodológica que foi construída nas aulas a fim de estabelecer uma consciência histórica especifica? Abcs
    Everton Carlos Crema

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    1. Bom dia, Everton, obrigada pela pergunta! A princípio, a ideia surgiu com a observação da necessidade de buscar uma consciência histórica que remetesse a uma visão mais crítica e assertiva do nosso próprio passado, que não ficasse nas dependências de sempre pensar o Brasil como um fruto europeu, mas que se incluísse as características que compartilhamos com nossos vizinhos latinos, e aprendêssemos com essa experiência conjunta. A partir disso, tomamos liberdade para incluir nas aulas documentos, que aqui apresentamos como jornais, mas também poderia ter sido a literatura ou o cinema latino-americanos, por exemplo. É claro que ao delimitar o objeto, também escolhemos por uma metodologia específica, e no caso dos jornais foi pensada da seguinte forma: primeiro, uma seleção feita pelo professor da fonte, um recorte simples, já que o intuito na sala de aula não é formar uma ideia ao estilo acadêmico, mas demonstrar a interpretação histórica que podemos fazer do documento, como podemos extrair de uma única página diversas informações e também diversas perguntas. Nas minhas experiências, o que sempre busquei foi estimular o aluno a esclarecer e enunciar sua própria percepção do documento, o que chama mais atenção dele no jornal? quais palavras ele desconhece? quais experiências pessoais eles trazem para interpretar aqueles enunciados? e formar a partir disso um movimento dialético de esclarecimento e sofisticação das questões trazidas pelos alunos. Após isso, creio que já possamos passar à comparação entre ambos os jornais, buscando os pontos em comum (e que divergem) entre os periódicos latino-americanos: qual língua eles falam? quais os assuntos em comum? o que os sujeitos que escrevem tem em comum e em diferente?
      Essa consciência histórica, dita latino-americana, como qualquer outra, é construída de forma subjetiva em cada aluno, mas o ponto primordial em incitar esse olhar é que o Outro/Eu, aqui, tem a possibilidade de ser uma identidade latino-americana. Sempre que definimos o Eu, precisamos de um referencial, precisamos do Outro, e aqui podemos enxergar em duas vias: tanto um Eu latino em contraste com o Outro europeu, quanto o Eu (indivíduo brasileiro) em comum com o Outro (argentino, chileno, paraguaio etc). A consciência histórica latino-americana surge quando saímos da dicotomia de Brasil vs Europa, e incluímos na conta o ser latino-americano, e como pensar com e através dele.
      Também é importante salientar que essa aula não deve ser isolada no cronograma escolar, pelo contrário, desde o contato com o documento até uma base de história da américa latina deve ser trabalhada pelo professor antes e depois dessa aula. Nas minhas experiências em sala de aula, uma das coisas que mais atrapalhou o uso de documento na sala de aula foi a falta de esclarecer uma questão básica para qualquer um que se dedique ao estuda da nossa disciplina: o que é a história? claro que essa é uma questão vasta, e para nós, historiadores de formação, continua sendo indefinida e o motivo dos cabelos brancos (rs), mas ainda assim é a base e o princípio do nosso estudo. Creio que tentar incluir esse tipo de teoria através de questões e coisas do cotidiano é uma boa forma de introduzir o aluno, e também incitar o próprio uso do documento em sala de aula, mesmo que simples, é uma forma de mostrar na prática o que é a história.

      Ana Carla Rodrigues Ribeiro

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  2. Tudo bem Ana!
    Os dois jornais que foram referência para teu texto (La Protesta Humana e O Amigo do Povo) são periódicos anarquistas e neste período a presença de militantes libertários entre as organizações operarias era muito significativa. Queria que você tratasse sobre a possibilidade do uso destes jornais para chegar à história da classe trabalhadora argentina e brasileira. Seria possível, a partir destas fontes, trabalhar com a vida de operários e operárias neste período, marcado pelo expansão da indústria, do crescimento dos bairros fabris e do avanço da solidariedade entre a classe trabalhadora?
    Frederico Duarte Bartz

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    1. Boa tarde, Frederico! Obrigada pela pergunta! Sim, perfeitamente. A relação entre os operários e a produção de jornais anarquistas é inegável, e é uma boa forma de explorar a organização desses grupos, quer seja no Brasil, quer seja na Argentina. No caso da minha pesquisa, optei por ler como libertários/anarquistas (em um sentido mais geral) porque a produção do jornal também era feita por intelectuais e os temas abordados no jornal também iam além do problema da classe operária (o tema religioso, de gênero, do Estado burocrático, entre outros, também eram focos da discussão anarquista). É claro que essa interpretação (de ler como uma imprensa anarquista) é apenas uma; em alguns casos, como é o de Mirta Zaida Lobato (La prensa obrera, 2009), esse tipo de jornal é, por definição, uma imprensa operária, ou seja, a relação com a classe trabalhadora se torna ainda mais intrínseca e indispensável. Certamente essa é uma das melhores fontes para estudar e ensinar sobre a formação operária da época, elementos como a divulgação de greves, boicotes, redes de apoio, denúncia de situações insalubres de trabalho tinham como um de seus meios esses jornais. Ademais, creio que uma boa análise dos jornais anarquistas latino-americanos dessa época tem de contar, necessariamente, com uma boa base bibliográfica sobre os trabalhadores fabris e a industrialização da época. Não é necessário que fiquemos nesse tema, mas com certeza é necessária a elucidação e a consciência da importância dele para a própria atividade do jornal no período.

      Ana Carla Rodrigues Ribeiro

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    2. Muito obrigado pela resposta e parabéns pela pesquisa com um tema tão necessário!
      Frederico Duarte Bartz

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  3. Olá Ana!
    Inicio pontuando que foi um prazer ler seu texto! Foram ricas as discussões em torno de uma metodologia pautada em jornais latinos-americanos.

    No inicio do texto, você mencionou que os livros didáticos, em sua essência, são organizados por narrativas demasiadamente dotadas de um viés etnocêntrico. Você argumentou que os conteúdos que envolvem a História do Brasil, por exemplo, ainda "segue o modelo da historiografia francesa nacionalista". Contudo, apesar dessa reflexão, sabemos que o livro ainda é considerado um recurso didático muito utilizado na sala de aula, uma vez que existe uma grande parcela de educadores no Brasil que o utilizam como um recurso norteador na sala de aula e nas aulas de História, tornando-o imprescindível. Apesar dessas prerrogativas, penso que o livro didático de História ainda pode se tornar uma boa ferramenta na sala de aula, desde que usado corretamente.
    Eu gostaria de saber como você enxerga essa busca por "conciliação" entre os manuais didáticos e os jornais? A seu ver, o livro didático poderia complementar a metodologia que você pontua, que no caso, é a utilização de jornais para promover estudos sobre a América Latina? Se sim, você pode mencionar algumas dicas de como fazer essa "conciliação"?

    Maicon Douglas da Silva

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  4. Boa noite, Maicon. Obrigada pela pergunta e pelas considerações! Primeiro, devo dizer que considero a multiplicidade de livros didáticos, o que pontuo no texto é a "regra", mas estou ciente de que possam haver exceções, por mínimas que sejam; alguns livros podem trazer algo como uma identidade latino-americana mais do que outros. E também concordo quanto a importância do livro didático na sala de aula, se critico é visando, também, um melhoramento do mesmo.
    Creio que a conciliação é sim possível. Inclusive, como disse acima, essa aula não é pensada de modo isolado do cronograma de aulas, as aulas que antecedem e sucedem essa também devem ser pensadas de modo que contextualize o aluno em inúmeros pontos: desde a história da américa latina e do brasil, até o contato do historiador com o documento. Não vejo problemas no livro didático fornecer um conhecimento mais pontual, para assim, com o auxilio do professor, usufruir desse conhecimento e interpretá-lo e executá-lo da melhor maneira possível. Também acho que tudo pode ser aproveitado, dependendo de qual tipo de olhar vai ser depositado sobre o livro, um olhar que aceita o que se diz e que rejeita são bem diferentes e ambos podem ser proveitosos. Na minha visão, outra alternativa para a conciliação de livro didático e fonte (o jornal), é comparar o que se diz sobre o assunto no livro com o conteúdo do jornal, no nosso caso: os livros didáticos, via de regra, apresentam uma seção sobre a industrialização e a formação operária do começo de XX (os anarquistas aparecem, principalmente, relacionados à greve geral de 1917); acho possível discutir sobre a fonte em sala de aula, levantar questões sobre ela, e depois verificar o livro didático em conjunto com os alunos para discorrer sobre as coisas que "faltam" e as coisas que conferem. Movimentos semelhantes também podem ser feitos verificando o que é dito a respeito do Brasil no livro, e trazendo fontes latino-americanas para assinalar que movimentos semelhantes e dissonantes também podem ser apresentados em outros países latinos. É claro que essa conciliação depende de qual livro didático estamos lidando, como dito acima, alguns abrem mais margem para a nossa discussão, e outros são mais fechados.

    Ana Carla Rodrigues Ribeiro

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    1. Excelentes ponderações Ana! Agradeço por promover essa discussão tão rica e necessária. Parabéns pelo texto!

      Maicon Douglas da Silva

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