Ester Araújo Lima da Silva e Antonio Jeovane da Silva Ferreira


OBSERVANDO A SALA DE AULA: MÚLTIPLAS EXPERIÊNCIAS EM UMA ESCOLA PARTICULAR NO MUNICÍPIO DE REDENÇÃO – CE




Introdução
O presente trabalho é um relato de experiência com enfoque no cotidiano escolar, entrelaçando as primeiras aproximações e vivências em sala de aula. Sua realização justifica-se no contexto de cumprimento da componente curricular “Psicologia da Educação, do Desenvolvimento e da Aprendizagem I”, vinculada ao curso de Pedagogia da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Metodologicamente, efetuou-se uma abordagem no viés da pesquisa participante, a partir de três visitas intercaladas às turmas do 7º, 8º e 9º ano do ensino fundamental II em uma escola da rede particular de ensino, localizada no município de Redenção/CE.

O escopo principal destas visitas foi o de observar o cotidiano da sala de aula, acompanhando as redes de sociabilidade e interação na relação aluno-aluno / aluno-professor e, consequentemente, aluno-pesquisador (a), além de observar as práticas pedagógicas e os mecanismos utilizados no sentido do ensino-aprendizado. Concluímos, portanto, que a depender do nível educacional as relações e sociabilidades eram diferenciadas, as metodologias outrora propostas pelo (s) docente (s) tiveram que ser (re)adequadas ao contexto da turma para assim facilitar o aprendizado, além da incorporação de outros mecanismos tecnológicos facilitadores neste processo.        

Este trabalho consiste em um relato de experiência construído a partir das vivências no cotidiano escolar e das primeiras aproximações em sala de aula que objetivaram perceber, de um lado, as redes de sociabilidades/interação estabelecidas entre os alunos, professores e consequentemente com a/o pesquisadora/o, e de outro, as práticas pedagógicas e os mecanismos adotados no processo de ensino-aprendizado.
O primeiro objetivo de nossa observação está centrado na percepção de Fittipaldi (2006), ao destacar as ideias centrais de Vygotsky, considerando, portanto, que o processo de interação social é a origem, assim como, “o que impulsiona o desenvolvimento e a aprendizagem [...], pois por meio dela aprende a regular seus processos cognitivos” (FITTIPALDI, 2006, p. 51). Já o segundo propósito está intrinsecamente vinculado à percepção de como as práticas pedagógicas se dão no exercício de sua aplicação e também que metodologias se empregam como meios facilitadores para o processo de ensino-aprendizagem de maneira que, enquanto estudantes em formação docente, nos auxilie a desenvolver e aprimorar tais habilidades.

Desenvolvimento
Para tanto, tais observações se deram durante três dias intercalados que compreenderam os dias 23, 24 e 25 de maio de 2017, numa escola da rede de ensino particular em Redenção/CE, com as turmas do ensino fundamental II, abarcando, portanto, os alunos do 7º, 8º e 9º ano.

1º dia (23/05) – Turma do 8º Ano – Aula de História
Estando nas dependências da escola, a professora, já em sala, chamou a atenção dos alunos informando que iria exibir um filme que reportava sobre a Revolução Industrial e que este serviria de suporte para a tarefa de classe. Notei que a sala era equipada com projetor de vídeo, um quadro branco, além de outro quadro próprio para a exibição de filme. Além disso, percebi o quanto a escola é vigiada por câmeras de segurança, na verdade, desde a entrada na escola já havia me dado conta disso, as câmeras estavam espalhadas nos corredores, na sala de aula, praticamente em todos os espaços, com exceção do banheiro.

Quem elenca um episódio interessante sobre o assunto é Michel Foucault (1987) em seu livro “Vigiar e Punir”, onde ao analisar a rotina e as condutas dos presidiários que eram monitorados a todo instante, inclusive na hora de ir para a escola ocasião em que tinham que entrar nas salas de aula, enfileirados, para participar das oficinas e se dedicarem a “leitura, o desenho e ao cálculo” (Foucault, 1987, p. 11).

O autor ressalta ainda que existe uma hierarquia que “se encarrega de vigiar o comportamento cotidiano das pessoas, sua identidade, atividade, gestos aparentemente sem importância; significa uma outra política a respeito dessa multiplicidade de corpos” (Foucault, 1987, p. 98). Neste caso, em um contexto atual, as câmeras de segurança refletem esse controle quanto à postura adotada em sala de aula, portanto, um recurso que não é utilizado apenas como método preventivo de roubos neste ambiente, mas também para monitorar os fatores comportamentais de alunos, professores e servidores.

A professora minutos depois teve que interromper a exibição do filme, pois o arquivo possuía falhas de gravação, o que fez com ela desse continuidade a aula a partir das atividades do livro didático.  Neste sentido, noto que minha presença em sala de aula atraiu os olhares curiosos, principalmente enquanto faço as anotações. Até que uma aluna que estava sentada no fundo da sala chamou a atenção da professora: “Tia, tia, o que ela faz? Ela sabe o nome da gente? e a professora respondeu: “Sabe sim! E ela tá aqui pra observar vocês!”. A aluna ficou receosa se eu iria comunicar a seus pais que ela não havia feito a atividade de História, pois, a mesma assim como os demais colegas estavam resolvendo a atividade de matemática no momento da aula.

A sineta tocou, arrumei minhas coisas e uma aluna veio em minha direção e me lançou um último questionamento: “Você vai ficar para o segundo horário? Era bom que você ficasse. No segundo horário todo mundo fica caladinho, não dão um pio. Você vai voltar amanhã?”. Com resposta afirmativa, de que iria voltar no dia seguinte, porém, lhe explico que não seria naquela turma. Concluímos o diálogo, me despedi da professora e encerrei este primeiro dia.
2º dia (24/05) – Turma do 9ª Ano – Aula de Inglês
Os alunos estavam completamente eufóricos, gritavam, riam, conversavam paralelamente e quanto à atividade do dia, alguns alunos argumentavam que haviam esquecido o livro, sem contar que a sala estava bastante quente e não contava com o mesmo padrão de infraestrutura tal qual a do dia anterior.

Enquanto isso ouvia os discursos que naturalizavam a violência em sala de aula: “eu tacava um tabefe nele e derrubava ele no chão”, “eu vou arrancar a garganta dele fora e vou jogar pros cachorros comer” ou ainda “se cochichar morre!”. Todas estas palavras foram direcionadas a um colega de sala porque havia “cutucado” outro aluno com um lápis. Em relação à atitude do professor, apenas dizia: “Calma, também não é pra tanto, né?”. O professor então passou a corrigir a atividade enquanto os alunos reclamavam que a mesma, realizada através do livro didático, era muito cansativa, chata e ainda sugeriam que seria melhor se a atividade fosse passada no quadro.

Desta maneira, o professor que já havia preparado uma aula extra anteriormente, diante dos pedidos e das reclamações, acatou a sugestão da turma, alterando assim a abordagem. Enquanto uns se esforçam para concluir logo a atividade outros nitidamente demonstravam estar “fingindo” a sua resolução. Neste sentido, realça Palacios (2004) que é nesta fase da adolescência que estes sujeitos conseguem articular e ter autonomia de seus pensamentos, de maneira que se utilizam disto como mecanismo de “manipulação social”, quando pensam, por exemplo, “minha mãe pensa que eu estou pensando em fazer a lição, assim eu vou fingir que estou me preparando para fazê-la” (Palacios, 2004, p. 270). Assim, era notória as vezes que os alunos dispunham desta estratégia em sala para se “livrarem” das atividades.

3º dia (25/05) – Turma do 7º ano – Aula de História.
Neste dia, diferentemente do que havia presenciado na turma do 9º ano, os alunos estavam bem comportados e quando a professora iniciou a atividade no quadro o silêncio tomou conta da sala por completo. Todos, sem exceção, copiavam a tarefa em forma de questionário. Este era bem objetivo com questões simples, por exemplo, “como aconteciam às feiras medievais?”. Assim, o aluno deveria responder estas problemáticas em apenas duas linhas e assim se deram com as 12 questões propostas. O curioso deste episódio está no fato de que as duas últimas perguntas questionavam o seguinte: “quais as consequências de conversarem na hora da aula?” e a última “você tem participado das aulas, por quê?”. Instantaneamente, os alunos começaram a chamar a atenção da professora argumentando que não havia a necessidade destas perguntas devido o fato delas não terem relação com o conteúdo da aula.

Assim, notei que a professora não conseguiu perceber que os alunos conversavam com o colega do lado, copiando a atividade ao mesmo instante em que recorreriam ao livro para encontrar as respostas. Neste ínterim, uma aluna questiona a professora, referindo-se a mim, “A tia não vai apresentar a amiga da tia não?”, cujo lhe responde: “Ela é estagiária e qualquer passo em falso, vocês já sabem!”. Ao mesmo tempo outro aluno interrompe: “A tia não falou sobre as cruzadas!”. Imediatamente o aluno folia o conteúdo do livro e quando percebe que encontrou a resposta, passa a reclamar que a mesma é extensa “Vish tia, é muito grande!”, e o colega do lado logo completa: “Eu vou só resumir! Tia, eu posso resumir?”. Com resposta afirmativa, os alunos continuaram a resolução das atividades.
Assim, Reis (1996) em seu livro “A história entre a filosofia e a ciência” afirma que a principal função do positivismo é reduzir a capacidade mental do historiador a uma simples coleta e reprodução dos fatos, tal qual como ocorrido à cima, a fim de promover um distanciamento entre o historiador e “objeto de estudo”. Reis (1996) nos leva a refletir que o ensino brasileiro é pautado metodologicamente em uma didática positivista fazendo com que os alunos reproduzam apenas o que está escrito no livro didático e a docência acaba repassando para seus alunos, não os estimulando a resolver as problemáticas do livro utilizando-se da compreensão desses próprios sujeitos.

Já Maltez (S/D) afirma que na tentativa de driblar tais metodologias que se reproduzem até os dias atuais é essencial que o professor não se oriente apenas pelo livro didático, visto que estes possuem conteúdos resumidos e na maioria das vezes remontam apenas a história dos vencedores e grandes heróis, excluindo outros personagens que possivelmente possam contribuir inclusive com o contexto no qual o aluno possa estar inserido. Mas, ainda utilizando-se de discussões com outros livros, textos, filmes, etc., que possam despertar a curiosidade e aprendizagem dos estudantes.
Portanto, como sublinha Schmidt (2015) saber ensinar história é proporcionar ao estudante a abertura de novas possibilidades na construção de um processo “do fazer”, do “construir a História”. É perceber que o estudante é um agente de construção do conhecimento cujo se faz necessário a intervenção do professor não apenas enquanto um sujeito que produz o saber, mas que considera a participação dos alunos nesse processo. Desta maneira, a aula de história “é o momento em que, ciente do conhecimento que possui, o professor pode propiciar a seu aluno a apropriação do conhecimento histórico existente, através de um esforço e de uma atividade na qual ele retome a atividade que edificou” (Schmidt, 2015, p. 118) através do conhecimento adquirido.

Considerações finais
Concluímos, portanto, que as observações em sala de aula foram fundamentais para perceber a dinâmica das relações e sociabilidades neste ambiente, além de notar a forma como as três turmas interagiam com a (o) docente e as práticas pedagógicas. A turma do 7º ano foi a que mais demonstrou interesse na realização das atividades, a do 8º mesmo sendo aula de História estavam resolvendo questões de matemática para o próximo horário e a do 9º demostrou dificuldade no aprendizado na língua estrangeira, o que exigiu do professor a utilização de outros mecanismos de ensino-aprendizado, como a dispensa do livro didático. A utilização de outros recursos como projeção, filmes, etc, foram de suma importância. Este primeiro contato em sala de aula foi útil para refletir acerca da implementação de novas abordagens para a fluidez no ensino-aprendizagem.

No caso da aproximação da História, é necessário integrá-la ao ambiente escolar, aliando outros mecanismos que apontem outras facetas da História, aproximando ela, por exemplo, com a realidade do aluno e/ou utilizando mecanismos audiovisuais. É importante frisar que a utilização de imagens além de ilustrarem os fatos, também são consideradas como fontes historiográficas para que o aluno possa problematizar o conteúdo escrito e a figura em realce, de maneira que estas novas aplicações despertem nos educandos a capacidade de construir um conhecimento histórico crítico com o foco nas percepções do que ocorrem ao seu redor.

Referências
Ester Araújo Lima da Silva é mestranda do Programa de Pós-Graduação em História (UNILA) e bolsista do Programa de Demanda Social / DS-UNILA.
Antonio Jeovane da Silva Ferreira é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (UFC/UNILAB) e bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
CÉSAR Coll, MARCHESI Álvaro e PALACIOS Jesús; Desenvolvimento psicológico e educação / tradução Daisy Vaz de Morais. – 2.ed. – Porto Alegre: Artmed, 2004.
FITTIPALDI, Cláudia Bertoni. Conceitos centrais de Vygostky: implicações pedagógicas. Revista Educação-UNG, v. 1, n. 2, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p.
MALTEZ, Joelma. O ensino de História: desafios para superação do reprodutismo. [S.l.], Faculdade Jorge Amado. [s.d.], 6p. Artigo (Graduando em História). Faculdade Jorge Amado, [s.d.]
REIS, José Carlos. A escola metódica, dita “positivista”. In: A História entre a filosofia e a Ciência. São Paulo: Ática, 1996. p. 15 a 31.

SCHMIDT, M. A. M. S. Formação do professor de história no Brasil: embates e dilaceramentos em tempos de desassossego. Educação (UFSM), v. 40, p. 517-528, 2015.

2 comentários:

  1. Olá Ester e Antonio. O texto de vocês aborda uma questão muito importante e significativa nas relações de ensino-aprendizagem. Conhecer a turma, se familiarizar com ela, interagir, construir uma possibilidade de
    afetividade, extremamente importante na educação, algo que vejo ser negligenciado pelos alunos em estágio e professores iniciantes. Perceber onde e para quem se leciona é fundamental para uma boa aula sim. Gostaria que vocês baseados em suas experiências colocassem aqui um passo a passo do processo realizado e os pontos mais relevantes sejam positivos ou negativos! Abcs


    Everton Carlos Crema

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    1. Quanto ao processo, este seguiu algumas etapas importantes para que o objetivo final fosse alcançado. Antes de tudo, fez-se necessário observar o espaço físico da escola, a maneira como os/as estudantes se passavam a se relacionar com ele, desde a entrada na escola. Essa etapa foi importante por sinalizar os espaços de maior socialização que, neste caso, iam desde formas de interação mais simples ainda na entrada principal da escola, como em outros espaços tal como os corredores que, consequentemente, dão até as salas de aula. A partir disso lançamos um olhar sobre o cotidiano destes estudantes percebendo as muitas formas com que se relacionavam, tanto com colegas de classe, professores e demais membros da equipe escolar. Algumas inquietações durante esse processo se deu ao perceber a maneira como éramos percebidos em sala de aula, portanto, como sujeitos que estavam interferindo na dinâmica pré-estabelecida de sociabilidade e ao mesmo instante nossa presença poderia gerar algum benefício para os professores, já que nos viam como “espiões”, de modo que isso foi utilizado como estratégia para prender a atenção deles, pois caso não se comportassem seria chamada atenção pela coordenação escolar. Toda essa conjuntura, dentre outros elementos vivenciados no ambiente da sala de aula, foram importantes para alicerçar a experiência profissional.

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