OBSERVANDO A SALA DE AULA: MÚLTIPLAS EXPERIÊNCIAS EM UMA ESCOLA PARTICULAR NO MUNICÍPIO DE REDENÇÃO – CE
Introdução
O presente
trabalho é um relato de experiência com enfoque no cotidiano escolar,
entrelaçando as primeiras aproximações e vivências em sala de aula. Sua
realização justifica-se no contexto de cumprimento da componente curricular
“Psicologia da Educação, do Desenvolvimento e da Aprendizagem I”, vinculada ao
curso de Pedagogia da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB). Metodologicamente, efetuou-se uma abordagem no viés
da pesquisa participante, a partir de três visitas intercaladas às turmas do
7º, 8º e 9º ano do ensino fundamental II em uma escola da rede particular de
ensino, localizada no município de Redenção/CE.
O escopo
principal destas visitas foi o de observar o cotidiano da sala de aula,
acompanhando as redes de sociabilidade e interação na relação aluno-aluno /
aluno-professor e, consequentemente, aluno-pesquisador (a), além de observar as
práticas pedagógicas e os mecanismos utilizados no sentido do
ensino-aprendizado. Concluímos, portanto, que a depender do nível educacional
as relações e sociabilidades eram diferenciadas, as metodologias outrora
propostas pelo (s) docente (s) tiveram que ser (re)adequadas ao contexto da
turma para assim facilitar o aprendizado, além da incorporação de outros
mecanismos tecnológicos facilitadores neste processo.
Este trabalho
consiste em um relato de experiência construído a partir das vivências no
cotidiano escolar e das primeiras aproximações em sala de aula que objetivaram
perceber, de um lado, as redes de sociabilidades/interação estabelecidas entre
os alunos, professores e consequentemente com a/o pesquisadora/o, e de outro,
as práticas pedagógicas e os mecanismos adotados no processo de
ensino-aprendizado.
O primeiro
objetivo de nossa observação está centrado na percepção de Fittipaldi (2006),
ao destacar as ideias centrais de Vygotsky, considerando, portanto, que o
processo de interação social é a origem, assim como, “o que impulsiona o
desenvolvimento e a aprendizagem [...], pois por meio dela aprende a regular
seus processos cognitivos” (FITTIPALDI, 2006, p. 51). Já o segundo propósito
está intrinsecamente vinculado à percepção de como as práticas pedagógicas se
dão no exercício de sua aplicação e também que metodologias se empregam como
meios facilitadores para o processo de ensino-aprendizagem de maneira que,
enquanto estudantes em formação docente, nos auxilie a desenvolver e aprimorar
tais habilidades.
Desenvolvimento
Para tanto, tais
observações se deram durante três dias intercalados que compreenderam os dias
23, 24 e 25 de maio de 2017, numa escola da rede de ensino particular em
Redenção/CE, com as turmas do ensino fundamental II, abarcando, portanto, os
alunos do 7º, 8º e 9º ano.
1º dia (23/05) – Turma do 8º Ano – Aula de
História
Estando nas
dependências da escola, a professora, já em sala, chamou a atenção dos alunos
informando que iria exibir um filme que reportava sobre a Revolução Industrial
e que este serviria de suporte para a tarefa de classe. Notei que a sala era
equipada com projetor de vídeo, um quadro branco, além de outro quadro próprio
para a exibição de filme. Além disso, percebi o quanto a escola é vigiada por
câmeras de segurança, na verdade, desde a entrada na escola já havia me dado
conta disso, as câmeras estavam espalhadas nos corredores, na sala de aula,
praticamente em todos os espaços, com exceção do banheiro.
Quem elenca um
episódio interessante sobre o assunto é Michel Foucault (1987) em seu livro
“Vigiar e Punir”, onde ao analisar a rotina e as condutas dos presidiários que
eram monitorados a todo instante, inclusive na hora de ir para a escola ocasião
em que tinham que entrar nas salas de aula, enfileirados, para participar das
oficinas e se dedicarem a “leitura, o desenho e ao cálculo” (Foucault, 1987, p.
11).
O autor ressalta
ainda que existe uma hierarquia que “se encarrega de vigiar o comportamento
cotidiano das pessoas, sua identidade, atividade, gestos aparentemente sem
importância; significa uma outra política a respeito dessa multiplicidade de
corpos” (Foucault, 1987, p. 98). Neste caso, em um contexto atual, as câmeras
de segurança refletem esse controle quanto à postura adotada em sala de aula,
portanto, um recurso que não é utilizado apenas como método preventivo de
roubos neste ambiente, mas também para monitorar os fatores comportamentais de
alunos, professores e servidores.
A professora
minutos depois teve que interromper a exibição do filme, pois o arquivo possuía
falhas de gravação, o que fez com ela desse continuidade a aula a partir das
atividades do livro didático. Neste
sentido, noto que minha presença em sala de aula atraiu os olhares curiosos,
principalmente enquanto faço as anotações. Até que uma aluna que estava sentada
no fundo da sala chamou a atenção da professora: “Tia, tia, o que ela faz? Ela sabe o nome da gente? e a professora
respondeu: “Sabe sim! E ela tá aqui pra
observar vocês!”. A aluna ficou receosa se eu iria comunicar a seus pais
que ela não havia feito a atividade de História, pois, a mesma assim como os
demais colegas estavam resolvendo a atividade de matemática no momento da aula.
A sineta tocou,
arrumei minhas coisas e uma aluna veio em minha direção e me lançou um último
questionamento: “Você vai ficar para o
segundo horário? Era bom que você ficasse. No segundo horário todo mundo fica
caladinho, não dão um pio. Você vai voltar amanhã?”. Com resposta
afirmativa, de que iria voltar no dia seguinte, porém, lhe explico que não
seria naquela turma. Concluímos o diálogo, me despedi da professora e encerrei
este primeiro dia.
2º dia (24/05) – Turma do 9ª Ano – Aula de
Inglês
Os alunos estavam
completamente eufóricos, gritavam, riam, conversavam paralelamente e quanto à
atividade do dia, alguns alunos argumentavam que haviam esquecido o livro, sem
contar que a sala estava bastante quente e não contava com o mesmo padrão de
infraestrutura tal qual a do dia anterior.
Enquanto isso
ouvia os discursos que naturalizavam a violência em sala de aula: “eu tacava um tabefe nele e derrubava ele no
chão”, “eu vou arrancar a garganta
dele fora e vou jogar pros cachorros comer” ou ainda “se cochichar morre!”. Todas estas palavras foram direcionadas a
um colega de sala porque havia “cutucado” outro aluno com um lápis. Em relação
à atitude do professor, apenas dizia: “Calma,
também não é pra tanto, né?”. O professor então passou a corrigir a
atividade enquanto os alunos reclamavam que a mesma, realizada através do livro
didático, era muito cansativa, chata e ainda sugeriam que seria melhor se a
atividade fosse passada no quadro.
Desta maneira, o professor
que já havia preparado uma aula extra anteriormente, diante dos pedidos e das
reclamações, acatou a sugestão da turma, alterando assim a abordagem. Enquanto
uns se esforçam para concluir logo a atividade outros nitidamente demonstravam
estar “fingindo” a sua resolução. Neste sentido, realça Palacios (2004) que é
nesta fase da adolescência que estes sujeitos conseguem articular e ter
autonomia de seus pensamentos, de maneira que se utilizam disto como mecanismo
de “manipulação social”, quando pensam, por exemplo, “minha mãe pensa que eu
estou pensando em fazer a lição, assim eu vou fingir que estou me preparando
para fazê-la” (Palacios, 2004, p. 270). Assim, era notória as vezes que os
alunos dispunham desta estratégia em sala para se “livrarem” das atividades.
3º dia (25/05) – Turma do 7º ano – Aula de
História.
Neste dia,
diferentemente do que havia presenciado na turma do 9º ano, os alunos estavam
bem comportados e quando a professora iniciou a atividade no quadro o silêncio
tomou conta da sala por completo. Todos, sem exceção, copiavam a tarefa em
forma de questionário. Este era bem objetivo com questões simples, por exemplo,
“como aconteciam às feiras medievais?”. Assim, o aluno deveria responder estas
problemáticas em apenas duas linhas e assim se deram com as 12 questões
propostas. O curioso deste episódio está no fato de que as duas últimas
perguntas questionavam o seguinte: “quais
as consequências de conversarem na hora da aula?” e a última “você tem participado das aulas, por quê?”.
Instantaneamente, os alunos começaram a chamar a atenção da professora
argumentando que não havia a necessidade destas perguntas devido o fato delas
não terem relação com o conteúdo da aula.
Assim, notei que
a professora não conseguiu perceber que os alunos conversavam com o colega do
lado, copiando a atividade ao mesmo instante em que recorreriam ao livro para
encontrar as respostas. Neste ínterim, uma aluna questiona a professora,
referindo-se a mim, “A tia não vai
apresentar a amiga da tia não?”, cujo lhe responde: “Ela é estagiária e qualquer passo em falso, vocês já sabem!”. Ao
mesmo tempo outro aluno interrompe: “A
tia não falou sobre as cruzadas!”. Imediatamente o aluno folia o conteúdo do
livro e quando percebe que encontrou a resposta, passa a reclamar que a mesma é
extensa “Vish tia, é muito grande!”,
e o colega do lado logo completa: “Eu vou
só resumir! Tia, eu posso resumir?”.
Com resposta afirmativa, os alunos continuaram a resolução das atividades.
Assim, Reis
(1996) em seu livro “A história entre a
filosofia e a ciência” afirma que
a principal função do positivismo é reduzir a capacidade mental do historiador
a uma simples coleta e reprodução dos fatos, tal qual como ocorrido à cima, a
fim de promover um distanciamento entre o historiador e “objeto de estudo”.
Reis (1996) nos leva a refletir que o ensino brasileiro é pautado
metodologicamente em uma didática positivista fazendo com que os alunos
reproduzam apenas o que está escrito no livro didático e a docência acaba
repassando para seus alunos, não os estimulando a resolver as problemáticas do
livro utilizando-se da compreensão desses próprios sujeitos.
Já Maltez (S/D)
afirma que na tentativa de driblar tais metodologias que se reproduzem até os
dias atuais é essencial que o professor não se oriente apenas pelo livro
didático, visto que estes possuem conteúdos resumidos e na maioria das vezes
remontam apenas a história dos vencedores e grandes heróis, excluindo outros
personagens que possivelmente possam contribuir inclusive com o contexto no
qual o aluno possa estar inserido. Mas, ainda utilizando-se de discussões com
outros livros, textos, filmes, etc., que possam despertar a curiosidade e
aprendizagem dos estudantes.
Portanto, como sublinha Schmidt (2015) saber
ensinar história é proporcionar ao estudante a abertura de novas possibilidades
na construção de um processo “do fazer”,
do “construir a História”. É perceber
que o estudante é um agente de construção do conhecimento cujo se faz
necessário a intervenção do professor não apenas enquanto um sujeito que produz
o saber, mas que considera a participação dos alunos nesse processo. Desta
maneira, a aula de história “é o momento em que, ciente do conhecimento que
possui, o professor pode propiciar a seu aluno a apropriação do conhecimento
histórico existente, através de um esforço e de uma atividade na qual ele
retome a atividade que edificou” (Schmidt, 2015, p. 118) através do
conhecimento adquirido.
Considerações finais
Concluímos,
portanto, que as observações em sala de aula foram fundamentais para perceber a
dinâmica das relações e sociabilidades neste ambiente, além de notar a forma
como as três turmas interagiam com a (o) docente e as práticas pedagógicas. A
turma do 7º ano foi a que mais demonstrou interesse na realização das
atividades, a do 8º mesmo sendo aula de História estavam resolvendo questões de
matemática para o próximo horário e a do 9º demostrou dificuldade no
aprendizado na língua estrangeira, o que exigiu do professor a utilização de
outros mecanismos de ensino-aprendizado, como a dispensa do livro didático. A
utilização de outros recursos como projeção, filmes, etc, foram de suma
importância. Este primeiro contato em sala de aula foi útil para refletir
acerca da implementação de novas abordagens para a fluidez no
ensino-aprendizagem.
No caso da
aproximação da História, é necessário integrá-la ao ambiente escolar, aliando
outros mecanismos que apontem outras facetas da História, aproximando ela, por
exemplo, com a realidade do aluno e/ou utilizando mecanismos audiovisuais. É
importante frisar que a utilização de imagens além de ilustrarem os fatos,
também são consideradas como fontes historiográficas para que o aluno possa
problematizar o conteúdo escrito e a figura em realce, de maneira que estas
novas aplicações despertem nos educandos a capacidade de construir um
conhecimento histórico crítico com o foco nas percepções do que ocorrem ao seu
redor.
Referências
Ester Araújo Lima da Silva é mestranda do Programa
de Pós-Graduação em História (UNILA) e bolsista do Programa de Demanda Social /
DS-UNILA.
Antonio Jeovane da Silva Ferreira é mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Antropologia (UFC/UNILAB) e bolsista da Fundação
Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
CÉSAR Coll,
MARCHESI Álvaro e PALACIOS Jesús; Desenvolvimento psicológico e educação /
tradução Daisy Vaz de Morais. – 2.ed. – Porto Alegre: Artmed, 2004.
FITTIPALDI, Cláudia Bertoni.
Conceitos centrais de Vygostky: implicações pedagógicas. Revista Educação-UNG, v. 1, n. 2, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento
da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p.
MALTEZ,
Joelma. O ensino de História: desafios para superação do reprodutismo. [S.l.], Faculdade Jorge Amado. [s.d.],
6p. Artigo (Graduando em História). Faculdade Jorge Amado, [s.d.]
REIS, José Carlos.
A escola metódica, dita “positivista”. In: A História entre a filosofia e a Ciência. São Paulo: Ática,
1996. p. 15 a 31.
SCHMIDT, M. A. M.
S. Formação do professor de história no Brasil: embates e dilaceramentos em
tempos de desassossego. Educação (UFSM), v. 40, p. 517-528, 2015.
Olá Ester e Antonio. O texto de vocês aborda uma questão muito importante e significativa nas relações de ensino-aprendizagem. Conhecer a turma, se familiarizar com ela, interagir, construir uma possibilidade de
ResponderExcluirafetividade, extremamente importante na educação, algo que vejo ser negligenciado pelos alunos em estágio e professores iniciantes. Perceber onde e para quem se leciona é fundamental para uma boa aula sim. Gostaria que vocês baseados em suas experiências colocassem aqui um passo a passo do processo realizado e os pontos mais relevantes sejam positivos ou negativos! Abcs
Everton Carlos Crema
Quanto ao processo, este seguiu algumas etapas importantes para que o objetivo final fosse alcançado. Antes de tudo, fez-se necessário observar o espaço físico da escola, a maneira como os/as estudantes se passavam a se relacionar com ele, desde a entrada na escola. Essa etapa foi importante por sinalizar os espaços de maior socialização que, neste caso, iam desde formas de interação mais simples ainda na entrada principal da escola, como em outros espaços tal como os corredores que, consequentemente, dão até as salas de aula. A partir disso lançamos um olhar sobre o cotidiano destes estudantes percebendo as muitas formas com que se relacionavam, tanto com colegas de classe, professores e demais membros da equipe escolar. Algumas inquietações durante esse processo se deu ao perceber a maneira como éramos percebidos em sala de aula, portanto, como sujeitos que estavam interferindo na dinâmica pré-estabelecida de sociabilidade e ao mesmo instante nossa presença poderia gerar algum benefício para os professores, já que nos viam como “espiões”, de modo que isso foi utilizado como estratégia para prender a atenção deles, pois caso não se comportassem seria chamada atenção pela coordenação escolar. Toda essa conjuntura, dentre outros elementos vivenciados no ambiente da sala de aula, foram importantes para alicerçar a experiência profissional.
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