O USO DE UM SERIADO DE TELEVISÃO COMO UM RECURSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO. UMA ANÁLISE SOBRE O SERIADO “FILHOS DA PÁTRIA”
Este trabalho tem como objetivo ser um texto
que busca elucidar a utilização de um seriado enquanto um recurso
didático-pedagógico utilizado no ensino de história. Para esta análise, será feita
uma breve análise do seriado filhos da pátria. Para isso, então, se faz
necessário falar brevemente sobre a série. Foi criada por Alexandre Machado e
Bruno Mazzeo, tendo o ano de estreia em 2017 pela Rede Globo e sendo
transmitida pelo canal de televisão aberta da emissora Globo, assim como
ficando disponível na plataforma paga de streaming
da Globoplay no mesmo ano.
O seriado foi lançado no ano de 2017 e nela, o
recorte de tempo e espaço é da cidade do Rio de Janeiro no ano de 1822. Na
série, são apresentadas diversas críticas sobre o Brasil da época, como os
casos de corrupção, propinas, caixas 2, desvios de verba, entre outros, sendo
estes, problemas enfrentados ainda na atualidade. Outra crítica presente é
sobre relações de gênero daquela época que também podem ser perceptíveis na
sociedade atual. Além disso, conta com estereótipos que envolvem
características atribuídas aos brasileiros, como o “jeitinho brasileiro”, uma
elucidação da expressão “santinho do pau oco”, bem como a ideia de que para se
dar bem em terras brasileiras, a maioria dos “cidadãos de bem” alçam seus
objetivos às custas de outras pessoas, apenas agindo como um “espertalhão”, ou
seja, agindo de má fé e mesmo assim conseguindo obter o que desejava por serem
“apadrinhados”, por ter apoio das pessoas certas. Essas características atribuídas aos brasileiros, como o apreço pelo
ócio é de origem portuguesa, assim como, enxerga que o indivíduo não quer
alterar o mundo social, tampouco reconhece e identifica essas características.
Ou seja, essa analise leva a entender que a parte da “raiz” da cultura e
características da sociedade brasileira é de origem portuguesa, que, por sua
vez, contribuiu desse modo por ter tido uma formação diferente dos demais
Estados europeus. Segundo o autor José Carlos Reis [1999]:
“Os
ibéricos recusam toda hierarquia, a coesão social, e tendem ao individualismo
anárquico. Rejeitam o trabalho manual, pois este exige a dedicação a algo
exterior. Especulativos, apreciam o ócio e se sentem nobres por isso. O
indivíduo não quer alterar o mundo social, que nem mesmo reconhece e
identifica. Ele não aceita ser dominado por um objeto exterior. Só são
solidários entre si por motivos afetivos e só se submetem pela obediência. Em
uma “terra de barões” não são possíveis acordos duráveis, a não ser por uma
força exterior querida e temida. Há necessidade do líder carismático, que reine
mítica e despoticamente. Eles o aceitam para pôr ordem em seu natural anárquico
e o respeitam e aclamam apaixonadamente. Cada indivíduo se identifica com ele,
pois realiza o sonho de cada um: ser individualmente de forma caprichosa e
absoluta. [1999, p. 94].”
Entretanto, para além dessas problemáticas, é
apresentado o cotidiano e suas diversas situações de uma família classe média
em busca de ascensão na sociedade, o que não difere muito das ações e situação
atuais. O núcleo familiar principal é composto por Geraldo Bulhosa, Maria
Tereza Bulhosa, Catarina Bulhosa e Geraldo Bulhosa Filho. Neste núcleo há duas
pessoas escravizadas, o Domingos e a Lucélia de Deus.
É preciso salientar a escolha dos criadores da
série em representar essa família como contendo características serem
“amigáveis”, “brandos”, que afirmavam que as pessoas escravizadas eram “quase
como da família”. Esse modo de representar o núcleo familiar principal, acaba
se aproximando da ideia do autor Gilberto Freire em seu livro "Casa-Grande e Senzala" [1999], no qual fundamenta sobre perceber que a
relação entre as "três raças fundadoras do brasil" convivem
harmonicamente. Desse modo, ainda argumenta a ideia de que, por esse motivo, o
sistema escravocrata nos Estados Unidos da América teria sido mais cruel do que
no Brasil.
Isso
reforça a relação entre negros e brancos foi mais cordial no Brasil do que nos
Estados Unidos, colocando que o processo de miscigenação brasileiro foi
"pacifico". Além disso, pode de ser visto como positivo e necessário,
pois, teria contribuído para melhorar a adaptação do branco, pois, era um
ambiente diferente, sendo tropical, mas, mesmo assim, o descendente idealizado
seria, de certa forma, o branco, porém, com sangue indígena ou negro, sendo
assim, brasileiro. Pode-se notar, então, que esse modo de percepção acaba
tentando fazer uma comparação de sofrimentos, deixando de levar em conta que de
qualquer forma aquela pessoa está sendo escravizada. Mas, coloca a relações
das pessoas escravizadas e dos escravocratas como sendo cordiais, amistosas,
pois essa constituição, para o
autor, teria sido fraterna, harmoniosa e democrática. Como pode ser observado
sobre a família principal da série.
O seriado conta também, ao longo da primeira
temporada, com uma das formas de resistência usadas por Lucélia, uma mulher
negra escravizada que, está sempre fazendo outros trabalhos como, lavar roupas,
fazer e vender cocada como uma forma de juntar dinheiro para comprar sua
liberdade. Além disso, Lucélia é apresentada como uma mulher inteligente e que
se esforça para conseguir sua liberdade.
Desse modo, é possível observar assuntos que
podem ser relacionados com conteúdo estudados em sala de aula. Mas, estes
assuntos não ficam apenas restritos a sala de aula, podem ser o situações e
vivências do cotidiano, sendo discutidos em grupos de trabalho, no ambiente
familiar, entre outros espaços. Contudo, por apresentarem relação com situações
do cotidiano, conseguem obter um espaço maior para diversas discussões.
As diversas
pesquisas na área de História, assim como na área de Ensino, além de diversos
avanços tecnológicos, passaram a disponibilizar espaço para que novos recursos
didáticos-pedagógicos fossem validados. Dessa forma, apresentaram novas
possibilidades de formas de abordagens voltadas para o ensino e para a
aprendizagem. Dentre essas pesquisas, está a Didática da História, sendo uma ciência voltada
especificamente para o aprendizado em História.
Com a Didática da
História, se tem a ideia de que os saberes aprendidos, produzidos fora da sala
de aula não são desconsiderados, pois, entende-se que a constituição do saber
acontece em diversos espaços, levando em consideração as vivências dentro e
fora das salas de aula. Assim, a ideia de que os professores são os únicos e
exclusivos a serem detentores de conhecimento em sala de aula torna-se
obsoleta.
Nesse sentido, a relação entre aluno e
professor passa a ser repensada, constituindo uma relação de maior proximidade,
e não mais como o professor sendo o único agente em sala de aula. Então, o
professor não apenas repassa o conteúdo escolar, mas sim, auxilia na
possibilidade da expansão da consciência histórica do aluno, que para tal
efeito, se faz necessário levar em consideração as vivências desses alunos,
assim como o cotidiano e a convivência com a familia, ou seja, o professor
passa a se tornar um mediador do conhecimento. Assim, outros tipos de fontes
passaram a ser validados na área da História.
Segundo a autora Maria Auxiliadora Schmidt:
“Finalmente, um dos elementos considerados hoje imprescindíveis ao
procedimento histórico em sala de aula é, sem dúvida, o trabalho com as fontes
ou documentos. A ampliação da noção de documento e as transformações na sua
própria concepção atingiram diretamente o trabalho pedagógico. Segundo os
princípios da História, denominada positivista, e numa perspectiva tradicional
do ensino, o uso escolar do documento tem servido para destacar, exemplificar,
descrever e tornar inteligível o que o professor fala a partir das renovações
teórico-metodológicas da História, bem como das novas concepções pedagógicas, o
uso escolar do documento passou a estimular a observação do aluno, a ajudá-lo a
refletir.” [2010, p. 61].
Observa-se, portanto, que essas mudanças carretaram em muitas
transformações, que engrandeceram as pesquisas, possibilitando reflexões mais
diversas a acerca da formação de docentes, assim como os debates sobre o
ensino. Além disso, passou-se a compreender sobre a necessidade de entendimento
sobre a formação do aluno não ser mais considerada restrita a sala de aula, ao
que acontece apenas dentro dela. Desse modo, os acontecimentos fora da sala de
aula, no cotidiano do aluno, nas suas diversas formas de vivências,
possibilitou para que a aprendizagem do conhecimento não ficasse voltada apenas
na figura do professor dentro da sala de aula, como podemos ver com as autoras
Andréia de Sousa e Silva e Sueli Lima Santos:
“Debater sobre o ensino de História é compreender sua contribuição na
vida social do indivíduo levando em consideração suas características próprias,
sabe-se que o ambiente escolar é um micro sistema da sociedade que envolve uma
diversidade bastante complexa de pensamentos, costumes e ideais diversos, porém
a escola também deve respeitar e valorizar a singularidade de cada ser humano,
pois cada pessoa tem habilidades e capacidades diferentes e são essas
diferenças que formam nossa sociedade com os mais diversos valores sociais.”
[2012, p. 3].
Ao falar sobre
Didática da História, autoras como Maria Auxiliadora Schmidt relacionam-na
com a consistência histórica, assim como com todos os âmbitos no qual a
História se situa. Dessa forma, o autor afirma que, para que haja um ensino e
aprendizagem efetivo, é necessitário que se entenda a didática da história,
pois, junto a ela, forma-se a consciência histórica, com a qual, o sujeito irá,
não apenas compreender os fatos e conteúdo, mas sim, se entender enquanto
agente histórico também. Pois, construindo consciência histórica, o sujeito
poderá se entender enquanto agente histórico, perceber a relação entre micro e
macro história.
Desse modo, ao
repensar sobre essas diferentes perspectivas históricas, conversando com novas
percepções sobre documentos, passando a abranger mais do que os documentos
tradicionais da História, assim como novos conteúdos abordados, transformam a formação do docente.
Portanto, esses docentes, auxiliam sobre uma
nova compreensão do aluno, do aluno sobre o professor e do professor sobre o
aluno. Ou seja, as contribuições do
ensino não se restringem apenas a matéria escolar, pois, perpassam por diversas
áreas do conhecimento.
Autoras como Márcia Elisa Teté
Ramos [2014] ao falar sobre utilização de outras mídias, nos afirmam que não é
possível ignorar a influência que a mídia exerce sobre as informações, valores,
projetos, opiniões e ações dos sujeitos. Além disso, para a autora, as
diferentes mídias não deixam de cooptar, influenciar e reforçar aquilo que o
aluno já aprendeu em outros momentos de sua vida, em outras instancias sociais,
incluindo a escola. Além disso, salienta que materiais midiáticos são
importantes nas concepções que o sujeito tem, mesmo que sejam usados para
negar, contradizer.
Com pesquisas como “O educador e o
desenho animado que a criança vê na televisão” da autora Maria Felisminda de
Rezende e Fusari [2002], é possível observar o interesse em pesquisas
relacionando televisão e educação. Em seu livro, a autora apresenta um estudo
sobre desenho animado na educação infantil na década de 1980, na cidade de São
Paulo. Segundo a autora Maria Felisminda:
“Uma
das formas de telecomunicação que mais tem chamado a atenção de estudiosos
interessados no assunto - e dentre eles os educadores – é a televisão. Considerando a integração do
seu significado etimológico – "visão ao longe" – ao efeito que
produz, a televisão tem apenas conseguido manter telespectadores assíduos aos
seus programas, não só na realidade brasileira, mas também entre os habitantes
das várias regiões do mundo.” [2002, p. 23].
Desse modo, pode ser observado um certo
interesse por diferentes recursos didáticos, tanto quanto desenho animado,
quanto televisão. Porém, mesmo que haja interesses em novos recursos, na
maioria das vezes, há uma certa resistência em utilizar-se desses recursos
diferenciados, pois, permeia a ideia de que não há conteúdo neles, pois, muitas vezes é
desacreditado sobre sua possibilidade de contribuição cultural. Ao levar em
consideração que toda e qualquer produção é fruto de uma subjetividade, pode-se
considerar então, que um objeto não pode ser totalmente vazio e sem conteúdo
por trás de sua produção, assim, um objeto criado contém subjetividade, além de
estar relacionado com a subjetividade do criador e de quem trabalha com o
objeto.
Portanto, para concluir, pode-se observar que esses diferentes recursos
didáticos que vem sendo discutidos pelos profissionais da área buscam alçar uma
proximidade dos alunos com os conteúdos, utilizando-se não apenas da sala de
aula e dos livros didáticos, mas sim das suas experiências e vivências, assim,
aumentando a possibilidade do aluno se apropriar dos conteúdos e se enxergar
enquanto um agente histórico. Assim, o conhecimento que o aluno é levado em
consideração, pois, o conhecimento não é visto mais como apenas o aprendido e
produzido em sala de aula, fazendo com que, de fato, haja maior interação do aluno
com o conteúdo que está sendo destinado a aprender.
Referências
Joyce Silva
Cardoso.
FREYRE, Gilberto.
Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999. [livro]
FUSARI, Maria Felisminda De Rezende e.
O educador e o desenho animado que a criança vê na televisão. São Paulo:
Editora Edições Loyola, 1985. [livro]
RAMOS, Márcia
Elisa Teté. Noções de alunos do Ensino Médio sobre o indígena. In: SCHMIDT,
Maria auxiliadora; BARCA, Isabel; URBAN, Ana Cláudia. [Org.]. Passados
Possíveis: a Educação Histórica em Debate. 1ed.Ijuí - RS: Unijuí, 2014, v. 1,
p. 225-239. [artigo]
REIS, J. C. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC.
2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. [livro]
SCHMIDT, Maria
Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano da sala de aula
[in: O saber histórico na sala de aula. 11 edição]. São Paulo: Editora
Contexto, 2009. [livro]
SCHMIDT, Maria
Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende. Jörn Rüsen e o ensino
de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2010. [livro]
SILVA, Andréia de
Sousa e. SANTOS, Sueli Lima. A contribuição do ensino de história na
aprendizagem e na formação social do aluno. Campina Grande, REALIZE Editora,
2012. Disponível em:
<http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/trabalhos/c9f97659fc979488f611e042f8d48123_2222.pdf>.
Acesso em: 03 janeiro 2019. [internet]
Olá Joyce. Parabéns pelo texto e a problematização. A criatividade em sala de aula passa pela discussão que você apresentou e gosto da ideia. Mas penso que precisamos discutir o tamanho do currículo, ao mesmo tempo em que discutimos metodologias e fontes de ensino instigantes, diversas e atuais. O volume dos conteúdos escolares de história é desproporcional e isso limita em muito aos professores o uso de outras formas de ensino, bacanas como a sua proposta. Isso não é casualidade, criar um grande volume de conteúdo é controlar o processo de ensino, dentro da sala de aula. Queria saber se agente poderia pensar a ideia de ensinar menos, mas melhor? O que você acha? ABCS
ResponderExcluirEverton Carlos Crema
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ExcluirOlá, Everton. Obrigada pela pergunta! Sim, é verdade. A quantidade de conteúdos é imensa em relação ao tempo de aula e a quantidade das mesmas na grade. Não consigo pensar no momento, uma forma de diminuir volume sem prejudicar ou, até mesmo, expandir as áreas de deficiências de aprendizagem. Eu realmente acredito que seria necessário mais aula/hora do que apenas tentar condensar mais o conteúdo. Acredito também que mais atividades extracurriculares não seria uma boa resposta pois não iria contemplar muitos alunos.
ExcluirJoyce Silva Cardoso
Obgd, Abcs
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