LIVROS DIDÁTICOS, EUROCENTRISMO E AUSÊNCIA DA AMÉRICA LATINA
Introdução
O texto que
apresentamos ao leitor aqui tem o intuito de refletir sobre o espaço dedicado à
América Latina nos livros didáticos. A necessidade que sentimos para
debruçarmos sobre esse objeto de estudo com esse objetivo foi perceber a
continuidade de uma tradição narrativa eurocêntrica no cotidiano e,
infelizmente, na cultura escolar.
Apresentaremos os
dados quantitativos de dois livros didáticos indicados para o terceiro do
Ensino Médio. A análise será feita através das contagens de palavras, para
podermos ter uma noção numérica do espaço dedicado à América Latina nesses
materiais.
A conclusão que
podemos chegar é de que há pouquíssimo espaço destinado a temática nesses
materiais e refletir sobre essas ausências é essencial para percebermos a
dinâmica discursiva e identitária que ainda nos marcam como brasileiros.
O texto começa
apresentando o levantamento de dados; depois discutiremos conceitos como
Sociologia das Ausências e Narrativa para ajudar-nos a compreender o fenômeno
estudado; por fim indicaremos possíveis consequências do eurocentrismo na nossa
sociedade e possíveis caminhos alternativos.
Os livros didáticos utilizados
Os livros
utilizados para esse levantamento foram o exemplar do terceiro ano do Ensino
Médio das coleções História, Sociedade e
Cidadania do autor Alfredo Boulos Junior e História Global – Brasil e Geral, de Gilberto Cotrim, pertencentes
ao PNLD- Programa Nacional do Livro Didático- de 2015, sendo utilizados nas
escolas de todo Brasil até o ano de 2017. A escolha por esses livros se deu por
as respectivas coleções serem as mais distribuídas por todo o Brasil, portanto,
as que agradaram a um maior número de professores. O texto de Juliana Aparecida
Nunes e Luis Fernando Cerri (2017) indica, em tabela, os livros mais
distribuídos durante o ano de 2015 e apresenta uma discussão acerca da
representação dos negros nesses mesmos livros
Antes de
entrarmos efetivamente na análise dos livros correspondentes, é importante
conhecer os seus autores, pois, segundo Bittencourt (2004), são eles que dão
seu nome a obra e acabam assumindo a responsabilidade sobre os conteúdos que
nela existem. Apesar de na atualidade essas produções envolverem grandes
equipes e ser impossível determinar quem escreveu cada trecho efetivamente,
eles assumem também o papel de revisar os escritos dos demais integrantes de
suas equipes e editá-los. Além de conhecer os autores, é importante verificar a
organização do livro em si.
O livro mais
vendido, intitulado “História, Sociedade e Cidadania” foi escrito por Alfredo
Boulos Junior que possui doutorado em educação pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo- PUC-SP, tendo experiência de docência em colégios
públicos, privados e em cursinhos pré-vestibulares. Esse livro é editado pela
FTD. Ele traz como o objetivo do ensino da disciplina de História aprender a
orientar-se no tempo e identificar rupturas e permanências. Esse material é
dividido em cinco unidades, nessas unidades estão contidos 13 capítulos e esses
capítulos se dividem entre História Geral e História do Brasil. Dentre esses 13
capítulos, nenhum é dedicado inteiramente a discutir algum outro país da
América latina que não seja o Brasil.
O segundo livro
mais vendido é intitulado História Global - Brasil e Geral. Essa obra foi
escrita por Gilberto Cotrim, que possui a formação de mestre em Educação, Arte
e História da Cultura e possui experiência como professor de História na rede
particular de ensino. A editora responsável por esse livro é a Saraiva. Ele
aponta como o principal objetivo do ensino da disciplina de História fazer com
que o estudante consiga estabelecer relações entre o passado e o presente. O
livro encontra-se dividido em 4 unidades, que estão subdivididas em 15
capítulos. As unidades são divididas entre as que se referem à história geral
(sendo duas), e as que se referem à história do Brasil (as outras duas). Dentre
os 15 capítulos, nenhum deles é dedicado inteiramente a discutir questões que
envolvam os demais países da América Latina (com exceção do Brasil).
Outro ponto que
não deve ser desconsiderado quando se trata de Livros Didáticos é o imenso
mercado editorial que envolve a sua produção, sendo este extremamente
lucrativo. Por isso, as editoras não medem esforços para que suas obras se
enquadrem nos critérios de venda. Esse processo de venda pode ser comparado ao
do mercado farmacêutico, no qual é feito um longo processo de divulgação dos
respectivos produtos, que muitas das vezes é composta por distribuição folders
ou até mesmo de algumas unidades do produto (Cassiano, 2005). No caso dos
livros didáticos, isso acaba favorecendo as editoras que possuem mais recursos
para realização dessas campanhas em detrimento das demais.
Apesar disso,
esses livros devem seguir critérios estipulados previamente pelo Ministério da
educação. Essa avaliação dos materiais didáticos surgiu no ano de 1996 e com
ela, surge uma maior preocupação por parte das editoras com esses critérios de
avaliações e como os livros didáticos os englobam efetivamente. Porém, como é
apontado por Cerri e Ferreira (2007), as avaliações do Programa Nacional do
Livro didático não são suficientes para dizer que os materiais estão no padrão
ideal pois, se os materiais apresentarem os critérios de avaliação de forma
razoável, eles serão aprovados.
Para que fosse
possível a análise dos livros, estes foram escaneados e salvos no formato de
pdf. Posteriormente, estes arquivos foram convertidos para o formato docx.,
desse modo, tornando possível que fossem selecionados os trechos de cada livro
ou verificado quantas vezes uma determinada palavra aparece nas obras.
Contagem de palavras (por trecho)
A análise que
aqui propomos visa quantificar o número total de palavras que os trechos que
tratam especificamente de países da América Latina, com exceção do Brasil, e
traçar um comparativo com o espaço dado aos demais países do mundo e com a
História do Brasil. Para isso, os arquivos salvos em docx. foram abertos no Microsoft
Word e através das ferramentas próprias desse programa, foram verificadas
as quantidades totais de palavras existentes na obra toda.
Posteriormente,
pensando que o foco desse texto é discutir o espaço destinado à América Latina
nos livros didáticos, foram selecionados os trechos que davam ênfase a algum
aspecto que envolvesse a América Latina. Como já dito anteriormente, nenhum dos
dois livros traz algum capítulo que trate somente da América Latina, por isso,
foram contabilizados os subtítulos que fazem menção a esse assunto e descontado
do item a qual esse aparecia agregado (sendo história do Mundo ou História do
Brasil). Também foi contabilizado o espaço destinado à parte introdutória e
final de cada um dos livros. Os valores
absolutos foram transformados em porcentagem para que fosse melhor visualizado
o total do espaço destinados a cada um dos itens. Os resultados encontrados
expressam-se na tabela abaixo:
Observando a
tabela acima é possível perceber que o espaço dado a trechos que se referem a
América Latina é extremamente pequeno, ou quase nulo em ambos os livros. Esse
espaço chega a ser menor do que o que é destinado a referências e apêndices dos
livros e no caso do livro História Global,
menor até mesmo que a parte introdutória que contém a carta de apresentação e
sumário do livro.
Se comparado ao
espaço destinado aos demais continentes ou até mesmo ao Brasil, que em ambos os
casos ultrapassam os 30%, fica ainda mais evidente que há um apagamento de
questões que envolvam a América Latina.
Por serem livros
dedicados ao terceiro ano do Ensino Médio, os conteúdos tratados referem-se à
História Contemporânea, ou seja, são desconsideradas as particularidades dessa
região nessa época. Conteúdos importantíssimos como os movimentos populistas e
os regimes militares não são trabalhados.
Menções ao termo “América Latina”
Pensando que não
basta apenas saber o espaço que essa discussão ocupa nos manuais didáticos, mas
que é necessário saber de que maneira ocorrem as menções à América Latina,
foram contabilizadas quantas vezes esse termo aparece em cada obra e de que
forma isso ocorre.
Os arquivos foram
abertos no Microsoft Word e utilizando as ferramentas próprias de pesquisa
desse aplicativo, foi pesquisado quantas vezes o termo América Latina apareceu
ao longo do livro. Essas menções foram agrupadas em categorias conforme a
tabela abaixo:
Frente aos dados
apresentados na tabela anterior é possível perceber, mesmo muito aquém do
necessário, o livro História, sociedade e
cidadania trabalha mais com a América Latina do que o História Global. Também é importante destacar que o livro de Boulos
Júnior relaciona, dentro da ínfima quantia de citações, mais do que o do Cotrim
o Brasil com o subcontinente em questão, embora isso se inverta quando
relacionado com o mundo.
Num livro
produzido para o ensino de História no Brasil é bastante relevante que haja o
espaço e o esforço de identificar o Brasil com os demais países da América
Latina. Isso porque, culturalmente, a identidade brasileira tem sido forjada
aos moldes europeus e de costas para os nossos vizinhos latino-americanos.
Há um porquê para esse apagamento
Para basear a
compreensão dos porquês desse apagamento da História latino-americana,
utilizaremos o conceito de Sociologia das Ausências proposto pelo professor
Boaventura de Sousa Santos (2010b, p.37-ss). Para o autor português os
apagamentos não são frutos de simples esquecimentos, mas eles são construídos e
perpetuados para a manutenção de uma certa lógica de organização do
sistema-mundo.
Esse conceito das
ausências está dentro de uma discussão maior, proposta pelo mesmo autor, que é
da construção de um Pensamento Abismal (Santos, 2010a, p.11-ss). Para ele todo
o pensamento ocidental moderno carrega essa característica e esta seria a de
criar uma linha em que divide aquilo que é moderno e pré-moderno, científico e crendices,
belo e feio, civilizado e bárbaro, e assim por diante. Essa lógica dicotômica
cria, necessariamente, as ausências, o não-ser, o não-existente.
Tradicionalmente
no Brasil temos mantido, infelizmente, uma narrativa mestra eurocêntrica e que,
pelos dados apresentados acima, ainda se perpetua. Esse colonialismo epistêmico
e cultural começa, obviamente, já com a chegada dos europeus à América no
século XV e se mantêm enquanto a mitificação acerca da Modernidade continua
existindo.
Dussel (1993)
denuncia que a Modernidade é marcadamente a mudança do centro do mundo do
Mediterrâneo para o Atlântico e o posicionamento da Europa como centro
geopolítico. Entretanto o autor coloca que a característica central para o
estabelecimento dessa dinâmica é justamente a violência, mesmo que o discurso
tenha mitificado esse movimento como libertador, científico e pacífico.
As propostas
expostas até aqui nos permitem construir uma noção por quais motivos a América
Latina está excluída do material didático analisado. Na seção seguinte
objetivamos discutir um pouco sobre qual a necessidade e a influência para os
livros didáticos e para o cotidiano de haver uma narrativa mestra.
A importância da narrativa
Toda história é
narrativa. Rüsen (2015, p.53) destaca que “narrar é um procedimento mental
próprio à constituição humana de sentido”. É através da atividade narrativa que
organizamos o passado, sendo ele ideal ou factual, a ponto de se tornar
compreensível e possível de utiliza-lo com função orientadora na vida prática cotidiana.
A competência
narrativa é crucial para o sujeito consiga conceber a sua realidade e assim
relacionar-se com ela. Borries (2016, p.177-178) indica que é mais importante
que os educandos aprendam a pensar historicamente, organizando o passado, do
que simplesmente saber um conjunto de datas e fatos sem conseguir estabelecer
relação entre eles.
É a lógica
narrativa, entretanto, que seleciona, frente a obviedade da impossibilidade de
ter a totalidade do passado, os fatos para gerar um determinado sentido. Por
isso analisar os livros didáticos e perceber a ausência, como é o caso aqui, de
determinados temas é válido para repensar o modelo de narrativa que tem sido
tomado nas escolas.
Afirmamos
escolas, no parágrafo anterior, por entendermos que o livro didático tem um
papel central na escolha dos conteúdos que são propostos nas aulas, na dinâmica
de abordagem desses conteúdos, além das atividades de fixação e/ou reflexivas.
Quando a América
Latina não faz parte dos conteúdos a serem trabalhados significa que quem
propôs o currículo e a linha narrativa-mestra dos livros didáticos não
considera relevante discutir nossos vizinhos para a formação dos estudantes.
Esse aspecto fica
mais grave se pensarmos que se para o terceiro ano do Ensino Médio, que se
ocupa com o século XX, já existe essa ausência é possível projetar essa mesma
falta nos demais volumes indicados para os dois anos anteriores. Ou seja, a
história da América Latina fica bastante restrita a conteúdos minimizados
frente a abordagem de outros passados.
A força do eurocentrismo
A carga histórica
da construção discursiva que coloca a Europa como centro geopolítico e
epistêmico do mundo é considerável e sem ela não é possível compreender o
motivo pelo qual a tanta ausência da América Latina nos livros didáticos
citados acima. O que ocorre tradicionalmente é que contamos a história dos europeus
como se fosse a nossa própria e mencionamos a dos países latino americanos,
indígenas e afro-brasileiros como se fosse do outro.
Essa composição
do passado do outro é consequência direta da composição narrativa da
modernidade. Esse eurocentrismo impede e inibe qualquer abordagem que subverta
essa lógica. Desta forma, o passado latino-americano, indígena, afro, das
mulheres, etc. segue apenas como um apêndice à história “importante”.
O eurocentrismo
epistêmico e cultural é tão forte que mesmo quando há alguns avanços acerca
dessas questões, muitas vezes não há a coragem e ousadia de abandonar a
tradição eurocêntrica. Prova desse fenômeno são os estudos pós-coloniais que
visam discutir a situação do sul-global, composto por países marginalizados pelo
padrão capitalista de desenvolvimento, através de teóricos europeus, que
discutem dentro do contexto da Europa. Walter Mignolo (2005) é um dos
pensadores que denuncia essa dinâmica.
Esse
eurocentrismo nos impede de enxergar que “existem problemas modernos para os
quais não há soluções modernas” (Melo, Ribeiro, 2019, p.05). A consequência
direta desse processo é a desvalorização de tudo aquilo que é latino-americano,
até mesmo brasileiro. Buscamos as nossas respostas como sociedade nos modelos
importados da Europa, ao mesmo tempo que são esses modelos que possibilitaram o
surgimento desses problemas.
Para não nos
alongarmos, o exemplo ambiental nos basta. É a sociedade ocidental, baseada no
capitalismo industrial que gerou a maior parte dos problemas ambientais que
existem atualmente. Entretanto continuamos a buscar nos países do norte-global
as soluções enquanto em nossos territórios vivem sociedades nativas que não tem
problema algum com o meio ambiente, pelo contrário. Mas o que ocorre é um
preconceito e uma desvalorização de tudo aquilo que não europeu, impedindo um
diálogo mais amplo para a construção de soluções para problemas locais e
globais.
Dussel (2016)
propõe como opção a essa força do eurocentrismo do Transmodernismo, que se
baseia em valorizar a alteridade sem hierarquização. Boaventura de Sousa Santos
(2010b, p.40-ss) também propõe uma Sociologia das Emergências para valorização
das epistemologias construídas no sul-global.
Entretanto essas
propostas só serão possíveis se ocorrer uma mudança na narrativa-mestra
cultural do Brasil, sendo um bom lugar para começar essa desconstrução e
reconstrução o chão da escola. Enquanto os estudantes continuarem tendo acesso
apenas ao modelo europeu de pensamento, uma história que nos coloca como
ocidentais, mas menos ocidentais que os europeus e estadunidenses, haverá
muitas dificuldades em se romper com essas barreiras epistêmicas e culturais
que nos mantêm colonizados ainda no século XXI.
Considerações finais
Com os dados
apresentados e a breve discussão feita é possível perceber a necessidade de se
abrir mais espaço para o estudo da América para a possibilidade de pensar
criativamente soluções para questões atuais.
Por meio das
análises é evidente que o espaço destinado à América Latina nesses livros é
praticamente nulo. Quando o termo América Latina é citado, ele é utilizado na
grande maioria das vezes como coadjuvantes de outra História, para fazer
relações com a História do Brasil ou com a de outros países do mundo.
O espaço ocupado
pelos trechos que se referem a América Latina em ambos os livros é menor que o
espaço utilizado pelas referências e apêndices e nem se compara ao espaço dado
a discussões que envolvem o Brasil e outros países do mundo, ultrapassando os 30%.
Essa
desvalorização da América Latina acontece por conta do ensino da disciplina de
História dar-se por meio de uma organização curricular eurocêntrica, na qual os
conteúdos estruturam-se tendo por base os acontecimentos da Europa,
desvalorizando outras localidades do mundo e da suas particularidades.
Sabendo do
importante papel ocupado pelos livros didáticos nas aulas de História, é
importante que seja refletido o que eles abordam ou deixam de abordar. Para
muitos professores, eles assumem o papel central, sendo utilizados como a base
do que deve ser ensinado.
Vale reconhecer
que romper com as estruturas eurocêntricas do Ensino de História não é tarefa
fácil, já que elas estão fortemente enraizadas em nossa sociedade. Ela ocupa as
cátedras universitárias, engloba os financiamentos de pesquisa e a comodidade
dos professores que já tiveram sua formação nesses moldes.
Gostaríamos de
citar, por fim, que é importante que essa discussão seja levada para o âmbito
da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, que em sua última versão homologada
segue a lógica eurocêntrica, organizando o passado pelo viés do norte-global.
Referências
Juliana Aparecida
Nunes é Mestranda em História Cultura e Identidades pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa- UEPG. Graduada em História pela Universidade Estadual de Ponta
Grossa- UEPG. Membro do Grupo de estudos em didática da História (GEDHI)-da
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Matheus Mendanha
Cruz é Mestrando em História Cultura e Identidades pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa- UEPG., Graduado em História pela Universidade Estadual de
Ponta Grossa- UEPG. Membro do Grupo de estudos em didática da História
(GEDHI)-da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
BITTENCOURT, C.
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desde una epistemología del Sur. Lima: Instituto Internacional de Derecho y
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Boa Tarde Juliana e Mateus! Li o texto publicado por vocês neste Simpósio e o considerei muito oportuno quando de fato, nós professores nos deparamos com livros didáticos carregados de discursos eurocêntricos que deixam a América Latina em um lugar marginal em relação ao mundo europeu. Tendo isso em vista, desejo saber suas opiniões quanto à postura do professor ante à literatura didática. Como ele pode transgredir a tais discursos eurocentricos ao utilizar o livro didático em sua prática docente?
ResponderExcluirBoa tarde Everton, ficamos felizes com a sua leitura do nosso texto e esperamos de fato contribuir para aprofundamento de reflexões no sentido do rompimento com o eurocentrismo.
ExcluirDito isso, acredito que o pior livro didático ainda pode ser utilizado da melhor maneira possível (acho que estou parafraseando o Laville). Isso pode ser feito a partir de uma atitude questionadora frente ao material. Ou seja, o professor pode, junto aos estudantes, tratarem um livro como uma fonte histórica e questionar suas escolhas e, por que não?!, ausências.
Entendo que exercícios como lançar um questionamento à turma sobre o porquê de haver tantos capítulos dedicados à Roma e a Grécia e um espaço menor dedicado aos povos originários (pensando que Incas, Maias, Astecas e Tupis-Guaranis são vistos no mesmo capítulo) seja um exemplo de pensar uma "história a contra-pelo" em sala de aula.
Ou ainda questionar por que estudamos a revolucão francesa (às vezes com mais de um capítulo dedicado a ela) e não estudamos as revoluções americanas com o mesmo afinco (normalmente temos um único capítulo para independências na América Latina).
Na minha prática tenho acrescentado no meu plano de ensino do nono ano conteúdos da América Latina (revolução cubana, revolução mexicana, revolução sandinista, populismos, etc.), entendo que seja relevante essas discussões para perceberem quão dinâmica é a política e a cultura latino-americana.
Espero ter respondido.
Everton Cristier Tavares Barreto
ResponderExcluirOlá Matheus e Juliana, gostei bastante do texto, achei que avançaram legal na teoria ;)
ResponderExcluirMinha dúvida é sobre a tabela 1, achei interessante a forma como vocês estão fazendo ciência, o método que estão criando. Minha dúvida é: vocês conseguiram ver se o método não ocultou as menções à América Latina no interior dos capítulos não relacionados? E quando procuraram a expressão "América Latina" procuraram também variáveis como "América do Sul", "latino-americanos", "sul-americanos", "Chile", Argentina",etc..Abç
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá. Agradecemos pela leitura e questionamento do nosso texto. Primeiramente, os sinônimos de América Latina fizeram parte da contagem dos dados, pois através da ferramenta do Word que utilizemos, os termos semelhantes na ortografia apareciam para nós no momento da contagem. É o caso de "América do Sul", "latino-americanos" e "sul-americanos”. Nessa segunda tabela, nosso objetivo era verificar se havia menções da América Latina como totalidade e não por países específicos.
ExcluirNa primeira tabela, a nossa análise não foi especificamente por capítulo, mas sim por trechos que trazem menção a América Latina dentro de capítulos cujo enfoque específico não é esse. Inclusive, nos livros didáticos que utilizemos, não havia nenhum que trouxesse um capítulo todo sobre América Latina. Por fim, para essa contagem, lemos os livros de forma completa e selecionamos o número de palavras que determinado trecho trazia sobre isso, o que nos leva a crer que não ocultemos menções dentro de capítulos, já que todas as contabilizadas estavam em capítulos que não destinavam-se somente aos latino-americanos.
Abçs.
Wilian Carlos Cipriani Barom
ExcluirÓtimo texto! O falso protagonismo da Europa na história mundial é uma construção racista e estrutural. Para que tenha essa mudança na Base Nacional Comum Curricular temos que, primeiramente, preparar os educadores formados e os que estão em formação, uma vez que o quadripartismo histórico ainda se faz presente na grade curricular do ensino superior. Como seria o processo de mudança e implementação? E apresenta algum risco para a organização ideológica e política?
ResponderExcluirAna Beatriz da Silva Pinheiro
Agradecemos ao elogio e a leitura do nosso texto.
ExcluirSua pergunta é muito difícil de responder, mas nos leva a reflexão necessária para sonharmos com mudanças.
Começando pelo fim, sim, essa mudança acaba sendo ideológica e política porque mudaria o alinhamento que temos, enquanto sociedade, quanto ao modelo ideal de educação (que hoje repousa sobre os países nórdicos), para dizer o mínimo.
Entendemos que para romper com o eurocentrismo só se abrindo para outros saberes e produções. Afirmamos isso porque entendemos que a grande maioria de nós, professores, sabemos do eurocentrismo, mas muitas vezes não temos ferramentas (diga-se conhecimento de outras histórias - no nosso caso aqui) para fazer algo diferente do que está posto.
Com certeza para se fazer esse processo é preciso alterar a própria organização de universidade que temos (há experiências de Pluriversidade - ver Amawtay Wasi) que está fechada a conhecimentos outros que não sejam eurocêntricos, além dos modelos de curso de História que temos (pensando que temos disciplina como Antiga, Medieval ...). Entretanto esse é um processo ideal e que demanda tempo e luta (além de chegar pouco naqueles professores que já estão em sala de aula e sem contato com a Universidade), além de continuar eurocêntrico no sentido de manter a universidade como "fonte de conhecimento".
Acreditamos que a forma mais interessante seria a troca de experiências entre professores e comunidade escolar, a partir de projetos ou leituras que mobiilzassem a discussão do eurocentrismo e que trouxessem histórias outras que não dos gregos, franceses, ingleses, alemães, etc.
Pedimos desculpas ela extensão e também por possíveis contradições, mas é que a pergunta é realmente muito boa e nos coloca a pensar sobre nossa prática cotidiana.
Matheus Mendanha Cruz
Juliana Aparecida Nunes
Matheus e Juliana, parabéns pelo texto muito interessante sobre um tema que necessita de mais propagação. Fico feliz em saber, também, que a Universidade Estadual de Ponta Grossa possui um grupo sobre Didática da História, deve trazer contribuições interessantes.
ResponderExcluirComo mencionado, o eurocentrismo possui importante impacto para nossa sociedade. Meu questionamento visa contribuir ao seu trabalho ao trazer um outro olhar ao problema. Quando eu ainda estava no início da pesquisa que, mais tarde, originaria meu TCG intitulado "Fundamentos da História do Livro Didático de História no Brasil", utilizava, em minha argumentação, uma crítica ao elemento livro didático em si, o percebendo como a principal força motriz na permanência de visões ultrapassadas sobre o passado.
Porém, mais tarde, algumas leituras, em especial a tese de Kazumi Munakata, me permitiram rever minha visão sobre o livro didático, ao demonstrar a produção deste material sobre o aspecto dos autores e editores. Dentre as coisas que percebi com obras no viés de análise cultural do livro, foi que os autores e os próprios editores também possuem limitação à inovação, à medida em que existem outras demandas sociais ao material. Há alguns meses, conversava com a professora Maria Auxiliadora Schmidt (Dolinha), que comentou que, no passado, fez um livro ótimo sobre o ponto de vista acadêmico. Porém, seria um livro pouco utilizado. Era ótimo no olhar de uma historiadora, mas não para o mercado docente, que possuia professores formados, ainda, sobre outras bases teórico-metodológicas. O desejo era por outro produto, não o que nós historiadores estaríamos oferecendo. Neste sentido, convido à reflexão:
1-Vocês escolheram os livros mais adquiridos pelos docentes, e que mais o agradaram. Como verificar se estes problemas identificados não sejam, exatamente, elementos que tornam este livro preferido entre o corpo docente, à medida que reproduz a visão de História que os professores tiveram acesso?
2-O Estado estaria disposto a providenciar formação continuada ao seu quadro docente sobre este tema, considerando que a formação docente continuada de qualidade tem sido negligenciada dentro do ambiente educacional? Caso vocês considerem que isto dificilmente acontecerá, que mecanismos poderíamos utilizar para evitar que esta obrigatoriedade através da BNCC não cause efeitos prejudiciais ao ensino, subjugando o professor à abordagem de uma história sobre a qual não possui formação, retornando a um modelo tradicional de ensino?
Um abraço, continuem com o ótimo trabalho!
rafaelfiedorukquinzani@gmail.com
Rafael Fiedoruk Quinzani
Agradecemos a leitura do texto e o comentário. Quanto ao Grupo de Estudos deixo aqui um link para que possa acessar a produção (não está muito atualizado porque estamos passando por mudanças, mas tem bastante coisa do que foi produzido).
Excluirhttp://gedhiblog.blogspot.com/p/jovens-e-historia-no-mercosul.html
Entendemos que sim, o livro didático como produto influenciado por uma série de fatores, passando por abordagens, até pela dinâmica capitalista que envolve o mercado editorial de livros didáticos. Desta forma vemos o livro como um indicador para estudar quem o produz. Nosso objetivo era perceber que tipo de material tem chegado aos estudantes, até devido ao limite do texto aqui.
Concordamos que pode ser considerado como hipótese para escolha desse material a "segurança" da mesma abordagem com a qual o docente já está acostumado. Isso pode ocorrer por vários motivos, por acomodação, por exemplo, mas também pelo fato do professor ter que trabalhar com tantas aulas que acaba por não ter tempo (nem cabeça) para buscar novas leituras e abordagens.
Me parece que, de alguma forma existe uma distância grande entre academia e docentes da educação básica. Digo isso devido à frases como "... mercado docente, que possuia professores formados, ainda, sobre outras bases teórico-metodológicas". Não entendemos que a academia seja tão revolucionária assim e que haja na graduação e pós um rompimento com o eurocentrismo (basta vê que ainda temos as disciplinas de Antiga, Medieval, etc...) e que não temos disciplinas que se dediquem a história dos povos originários e as dinâmicas políticas latino-americanas (normalnte são vistos em História da América, mas de forma bastante simplista e superficial). Além da ausência desses conteúdos na academia há também a supremacia da literatura europeia, dificilmente lê-se (falando sem uma pesquisa aprofundada) autores africanos ou mesmo indígenas e latino-americanos.
Quanto ao ponto 1, pesquisas qualitativa (como tem sido feito pelo LAPEDUH) e quantitativas (como tem sido feito pelo Gedhi) podem com metodologias diferentes ajduar a pensar panoramas e respostas.
Quanto à questão 2, creio que o comentários que fizemos na pergunta da colega acima posssa escolarecer nosso posicionamento sobre. Mas em resumo seria trabalhar a partir de diálogos - não concordamos que uma ordem de cima para baixo, como é feito para aplicação de programas educacionais do governo funcione, pois não permite diálogo e sem diálogo não há transformação da parte dos docentes (o documento vira letra morta).
Esperamos ter respondido e colaborado com a discussão.
Matheus Mendanha Cruz
Juliana Aparecida Nunes