FAZER HISTÓRIA, FAZER UM PARANÁ: PERSPECTIVAS E PREMISSAS DE ENSINO DE HISTÓRIA
Pensar sobre as
formas de escrita da história, como cada ‘momento’ historiográfico pensou e
materializou os seus interesses, olhares e objetos de pesquisa, permite
compreender que a História não é uma construção singular, mas que [re]
formula-se conforme as premissas do historiador e o público a que se remete.
Partindo desse viés, entende-se que as correntes historiográficas conseguiram
ampliar sua atmosfera de atuação porque existiram bases teóricas anteriores que
possibilitaram a crítica, construção e revisão dos seus princípios de análise.
Neste sentido, esta produção textual tem por objetivo fomentar uma breve
reflexão sobre o oficio historiográfico no tocante a forma como história foi
orquestrada ao contexto paranaense – sua finalidade e intenção prática – e
dialogar anseios às demandas de ensino, entre elas, as Diretrizes Curriculares
do Estado do Paraná.
Partindo destes
pressupostos, foi no século XX que a História surgiu em meio ao contexto de
lutas burguesas, nacionalismo, formação de “Estado-Nação” e choques entre
patrões e proletariado; sendo assim, tinha o intuito de justificar a formação
do cidadão para a pátria, ressaltando a importância da burguesia emergente.
Neste mesmo momento, a educação tornou-se um direito de todos, além de ser
laica, universal, gratuita e obrigatória. No contexto brasileiro, esta
disciplina foi implantada ao currículo escolar no ano de 1838, no Colégio Pedro
II, tendo como foco criar uma identidade nacional homogênea, destacando a
hegemonia de um Estado politicamente articulado e organizado.
A História do
Brasil possuía como referência bibliográfica as produções do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e valia-se da influência europeia, sendo
notórias as marcas do positivismo, entre as quais, pode-se destacar a afirmação
de fatos sem qualquer crítica; explicação por meio de leis e grandes modelos;
objetividade dos fatos históricos; ideia de causalidade e uma ordem cronológica
linear, negando assim, a especulação e subjetividade interpretativa. As fontes
eram rigorosamente selecionadas, a fim de comprovar os eventos políticos,
genealogias das noções, enaltecimento dos grandes heróis, acontecimentos
através de uma periodização e unidades geográficas que contemplavam os
contextos eurocêntricos, por isso, a reflexão sobre um regionalismo era fruto
do interesse das classes dominantes.
Neste sentido,
questionar os modelos hegemônicos e buscar um ensino crítico e renovado exigia
uma reformulação epistemológica e metodológica no ensino de História. Contudo,
Germinari [2005] explica que havia um descompasso entre o currículo de ensino e
o que se entendia como “história regional”, no qual, este distanciamento vinha
desde o período republicano, onde o ensino de história regional era entendido e
ensinado como “estudo dos Estados da Federação”, voltando-se para questões
políticas e econômicas.
Meados dos anos
de 1980, os “Círculos Concêntricos” [propostas curriculares], buscavam refletir
elementos voltados à família, à comunidade, ao bairro e dialogar com contextos
mais amplos. No entanto, essa perspectiva comprometeu a noção de espaço e suas
influências, pois nem sempre o Estado representava a realidade histórica e
cotidiana do corpo discente, visto que, imigrantes, por exemplo, mantinham seus
vínculos culturais e com a terra natal de modo marcante. Além disso, o espaço
que o alunado vivenciava era diacrônica as suas fronteiras geográficas,
temporalidades e experiências históricas. Portanto, a seleção dos conteúdos e
técnicas a serem utilizados na sala de aula, deveriam preocupar-se com o
aspecto social, buscando valores humanistas e a defesa dos direitos humanos,
partindo das várias experiências sociais – sobretudo, os grupos que, por um
longo tempo, foram excluídos na escrita da História. Ou seja, o ensino de
História não deveria pautar-se na dissociação entre discente e ensino de
História, mas no seu reconhecimento como parte integrante e transformadora do
processo histórico.
No tocante ao
palco paranaense, pode-se destacar a finalidade da História para a construção
da identidade do Estado. De acordo com Peters [2005], a iniciativa de gestar
uma História do Paraná partiu da elite ligada à madeira e ao mate, ou donos de
pequenas indústrias pautados na ideia de modernização e progresso. Para
exemplificar esse processo, pode-se destacar a Exposição Industrial realizada
em comemoração aos cinquenta anos de Emancipação Política do Paraná, que
enfatizava tanto a valorização às máquinas quanto à identidade nacional e
regional.
A sociedade
assistia e convivia com uma identidade moldada à imagem de progresso e que
rompia com o abandono administrativo da antiga Monarquia, além de assumir um
modelo republicano, acompanhado do progresso e modernização que desde a
abolição do tráfico de escravos, dinamizou a economia do Estado Brasileiro. Isso
deve-se a associação da modernidade com a Proclamação da República, em que a
construção dos heróis e insígnias buscavam legitimar o poder político e,
simbolicamente, envolver o povo em ideias, aspirações e identificações
coletivas, como a idolatria à bandeira ou à figura de Tiradentes [herói
republicano, “Cristo das multidões”, conforme poema de Castro Alves], edificado
na praça Tiradentes em Curitiba, sendo possível encontrar nessa mesma praça a
representação de Benjamin Constant e João Gualberto [honrado herói paranaense,
morreu no conflito do Contestado servindo ao Estado do Paraná e a República].
Buscou-se também utilizar novos nomes para ruas e praças, objetivando
‘reforçar’ a atuação no imaginário popular, sendo assim, a Rua Imperatriz
passou-se a ser chamada de XV de Novembro e a praça D. Pedro II, tornou-se a
praça Tiradentes.
Em meio a esse
contexto, o Movimento Paranista surgiu com o propósito de construir a
identidade do Estado do Paraná, organizado por intelectuais, artistas e
literatos que cultuavam histórias e tradições, fomentavam essa invenção da
identidade regional junto com a ideia de progresso. Entre as razões que
explicam essa postura regionalista é o fato de que o Paraná resumia sua
importância nacional às cidades de Curitiba, Paranaguá e Ponta Grossa, por
isso, os estudos de Romário Martins possibilitaram um aprofundamento histórico
e etnográfico, demonstrando a participação indígena e suas contribuições ao
nacionalismo europeu. O Paranismo tinha como preocupação preservar a identidade
da cultura regional, emergindo de sujeitos que não eram nascidos no Paraná, nem
mesmo pertenciam a uma escola ou a uma estrutura acadêmica, entretanto,
partilhavam de uma afeição pelo Paraná. Seu primeiro ofício foi criar o
“paranaense”, num momento em que o Estado havia acabado de perder parte de suas
terras à Santa Catarina. Nesta acepção, quando se olha para o Paranismo, muito
mais do que entendê-lo como um movimento de construção à identidade paranaense,
é também perceber como esse processo atuou e a forma como ele se impôs aos
“estrangeirismos”, permitindo ao Paraná um caráter particular de republicanismo
positivista e clerical.
Foi na busca por
um sentimento de pertencimento à terra que se criou um perfil cultural
envolvendo o espírito de modernização e “carisma curitibano”, o qual foi
difundido socialmente ente os curitibanos, criando a ideia de perfectibilidade
e o mito que Curitiba possuía uma “civilização exemplar, trabalhadora e
disciplinada”. [PETERS, 2005, p 267]. Cabe destacar que essa ideia de
identidade já havia sido semeada desde a chegada de imigrantes europeus,
fortalecida pelo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, o qual foi uma das
bases para o Paranismo.
O termo
Paranista, conforme expõe a autora, surge da tentativa de agregar as múltiplas
culturas que haviam no Paraná, como também, a recusa ao uso do termo nativista.
Esse ‘agregar’ culturas não significava um processo de “aculturação”, mas sim,
conferir ao Paraná o status de um espaço progressista e com uma sociedade cosmopolita.
Para demonstrar a forma como esta ideia estava introjetada, a autora fala da
estátua “O Semeador”, de João Zaco Paraná, que buscava representar essa imagem
de civilidade, vocação agrícola e um Estado que semeava o futuro. Além disso,
era comum as festas cívicas para divulgar símbolos paranistas, fossem estátuas,
obras de arte, composições musicais ou arquiteturas; a população reverenciava e
enaltecia os símbolos homenageados. Para tanto, o pinheiro, a pinha, o mate e a
paisagem eram os temas centrais das produções artísticas. Entretanto, não só o
meio artístico se encarregava dessa construção identitária, visto que, a
História legitimava através da cientificidade os heróis e eventos históricos
importantes; e a literatura, sensibilizava os paranaenses ao ideário Paranista,
no qual, lendas e mitos indígenas foram resgatados e difundidos pela revista
Ilustração Paranaense.
Outro elemento
que é símbolo Paranista é o mate que, mesmo em menor uso, trouxe novamente a
mitologia cristã de São Tomé no Brasil, contando que ao converter índios
guaranis foi recompensado com o aprendizado de como utilizar a erva mate,
planta mítica e detentora de efeitos curativos para os indígenas. Deste modo, a
sociedade paranaense era representada pela formação social de índios e brancos,
tendo o caboclo como descendente da inter-relação entre estas duas “raças”,
excluindo os negros da participação e composição social.
A autora
apresenta também, João Turin como um importante artista Paranista, pois o mesmo
pintou as imagens que representavam os mitos guaranis registrados por Romário
Martins, as quais “tinham um ar renascentistas, com musculatura bem definida e
padrões seguindo as normas de equilíbrio e harmonia”, [Peters, 2005, p. 276].
Este artista chegou a propor uma “moda Paranista”, com bolsas, capas e outros
objetos cotidianos com desenhos estilizados de pinhões e pinhas. Por fim,
pode-se apontar que este movimento perdurou até os anos de 1940, onde o
regionalismo passou a ser freado pelo governo de Getúlio Vargas, período em que
a centralização e nacionalização buscou controlar as influências regionais.
Todavia, as marcas do Paranismo continuaram fazendo parte do discurso de
progresso e desenvolvimento, mesmo após os anos de 1950, introduzindo novos
elementos e resignificando o seu repertório cultural. Além disso, contribuiu no
programa de política pública de cultura paranaense, conhecido como
“Parabenização”, que objetivava acabar com as exclusões sociais, econômicas e
culturais, onde a cultura deveria fazer parte da vida de todos e de grupos ou
espaços específicos.
Reflexo deste
processo de pensar e valorizar a história paranaense, a partir da leitura das
Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná [DCE], podemos perceber tanto as
mudanças, ajustes e permanências que fomentaram a elaboração dos currículos
escolares no Brasil, bem como, o processo histórico percorrido até chegar às
DCE, dada a superação teórica e metodológica em relação aos seus antecessores.
Nesta acepção, é notório como o Colégio Pedro II postulou suas bases teóricas
pautadas no positivismo, fazendo uso somente de documentos oficiais,
glorificação de personagens heroicos, importantes fatos políticos, além da
linearidade cronológica dos fatos, exaltação dos valores democráticos, ideal de
progresso e de História universal, deixando de lado, por vezes, a História do
Brasil. Vale destacar que os princípios positivistas influenciaram o ensinar e
o aprender história por um longo tempo, deixando seus resquícios ainda hoje.
Entre os outros
modelos de ensino história que podem ser destacados, pode-se expor a elaboração
curricular proposta na Era Vargas, a qual, vinculava o ensino de História do
Brasil com o projeto político nacionalista, ou ainda, as orientações educacionais do período de
Ditadura Militar, em que é possível perceber que neste modelo há continuidade
de alguns pressupostos anteriores, como a utilização de documentos oficiais,
cronologia linear dos grandes momentos políticos, além da despreocupação em
estabelecer críticas ou interpretações aos fatos. Por outro lado, realizou uma
ampla reorganização educacional, dividindo o primeiro grau em oito anos e
tornou o segundo grau profissionalizante, tendo como objetivo a especialização
da mão de obra. Em virtude disso, a disciplina de história perde espaço na
grade curricular, mesclando-se com a geografia. Inclusive, a formação acadêmica
é prejudicada, isso porque, instituiu-se a licenciatura em curta duração e
houve uma profunda pressão no controle ideológico do Estado. Somente no fim dos
anos de 1980 e início dos anos de 1990, iniciam-se os debates em relação às
reformas democráticas no ensino, partindo de novas reflexões acerca dos
materiais didáticos e novas propostas curriculares. Nesta acepção, instituiu-se
os Parâmetros Curriculares Nacionais [PCNs], cuja proposta era reorientar as
práticas dos professores e a elaboração dos livros didáticos, privilegiando as
competências dos discentes, formação de mão de obra, e com isso, minimizar a
análise do objeto e reflexão crítica através da abordagem psicológica e
sociológica dos conteúdos.
No Paraná, os PCNs
foram utilizados até o ano de 2002, em seguida, houve uma mobilização da
Secretaria da Educação, trazendo os profissionais da educação pública para
elaborar um programa de ensino que partisse das necessidades e demandas
próprias do Paraná, olhando as dificuldades e acertos da experiência próxima
dos educadores, afinal, são eles que percebem quais os métodos e teorias que
melhor sustentam suas práticas de ensino, o que resultou nas Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná, as quais, romperam com os modelos anteriores
que eram realizados por uma cúpula de orientadores que, por vezes, desconheciam
as especificidades que o ensino apresentava, o que justifica o caráter
homogêneo e universal que tentavam colocar em prática no Brasil.
Cabe salientar
que as DCE deram cumprimento as Leis 13.381/01, 10.639/03 e 11.645/08 que
tornavam obrigatório o ensino de História do Paraná, História e Cultura
Afro-brasileira, como também, o ensino da História e Cultura Indígena,
tornando-se assim, um documento de orientação escolar pautado na ideia de
diversidade, além de inovar nas formas metodológicas e teóricas que se
preocupam com a dialética temporal e entre professor e educando, sendo
acessível e integrava a todos. Este modelo trouxe uma nova perspectiva para o
ensino de História, dividindo-a, no ensino médio, em três eixos estruturantes:
relações de trabalho, relações de poder e relações de cultura, possibilitando,
assim, a diacronicidade temporal e espacial, sobretudo, partindo do presente e
da realidade do aluno para a construção do saber histórico. Além disso,
utilizou da historiografia atualizada e revisada para sustentar seus debates
teóricos, reorientando, a partir disso, as práticas em sala de aula, afinal,
teoria e prática devem e podem fazer uma ponte para melhor fomentar as
dinâmicas de ensino.
A proposta sobre
os encaminhamentos metodológicos que encontram-se nas DCE, primeiramente
especifica os conteúdos para os anos finais do Ensino Fundamental, os quais
objetivam dar ênfase à história local e do Brasil, fomentando diálogos,
conexões e relações com a história mundial, e no que diz respeito ao Ensino
Médio, a orientação que se faz é o ensino de história temática, noutras
palavras, através de recortes específicos, busca-se realizar a discussão e
solução de problemáticas previamente organizadas pelo professor. Vale salientar
que, mais do que o conteúdo pelo conteúdo, as DCE tem como finalidade: a
produção do saber histórico, colocando o corpo discente em contato com as
diferentes fontes e a problematização específica para cada uma delas; a
articulação crítica entre as narrativas teóricas e saberes prévios discentes;
interpretação e levantamento de hipóteses variadas, pois não existe uma verdade
única e hegemônica, mas sim, múltiplas, conforme o olhar e os questionamentos
realizados à fonte ou à problemática do processo histórico; e, por fim, o uso
relativizado do livro didático, visto que, o mesmo é um apoio e não deve ser o
único material utilizado por docentes, além de ter informações limitadas e
‘enxutas’ sobre o conteúdo, é preciso saber dar tratamento adequado ao seu uso,
afinal, se o professor não é detentor de verdades absolutas, o livro didático
também não é, sendo necessária a articulação entre livro/material
didático/teórico – docente – discente/conhecimento prévio.
A relação entre
saberes prévios e saberes históricos pode ser pensada a partir de Rüsen [2007],
a qual, permite compreender esse diálogo e a maneira de utilizá-lo de forma
eficaz. Segundo o autor, ela desvela que a vida prática e social está ligada à
orientação no tempo; o passado é ferramenta para aquisição de respostas às
questões do presente; diálogo entre vida cotidiana e teoria; orientação e
interpretação práticas que partem de teorias e princípios analíticos
historiográficos. Ou seja, quando as DCE propõem modelos historiográficos para
sustentar e orientar as práticas na sala de aula, mais do que a teoria pela
teoria, ela objetiva a construção do conhecimento histórico, do pensamento
crítico, da leitura de mundo, da interpretação, orientação e prática ligadas à
dialética histórica, na qual, o alunado é mais do que um receptor de
informações, ele é um agente histórico que problematiza o seu presente e busca
no passado às experiências humanas que possibilitam compreender e [re]orientar
suas ações e atuações do dia a dia.
Essa forma de
aprendizagem histórica parte da consciência humana, associa-se à dialética do
tempo, tornando-se apta para significar, adquirir experiência e competências
práticas. Conceituada por Schmidt [2009] como cognição histórica situada, se
baseia em desenvolver a experiência, a orientação e a interpretação histórica.
Por isso, aprender História é narrar o passado a partir da vida no presente,
construindo uma identidade para o sujeito, organizando sua atuação nas lutas e ações
no hoje, tanto individuais quanto coletivas. O seu uso na sala de aula permite
integrar discentes no processo de aprendizagem, ou seja, a medida que se sente
‘chamado’, questionado e instigado à refletir sobre questões que lhes são
próximas, como bem explicita Lopes [1991], o alunado vai significar o passado e
situar-se no presente, utilizando, neste processo, os seus saberes prévios, ou
também denominados como consciência histórica conceito utilizado por Rüsen
[2007]. A relação entre os conhecimentos particulares e as experiências do
passado permite o sujeito interpretar e orientar historicamente as dinâmicas do
presente, como também, perspectivar o futuro, tornando-se consciente, agente e
crítico da sua realidade. Ou, como sinalizava Freire [1981], proporciona uma
leitura de mundo, uma percepção de o sujeito não só vive, mas também altera,
modifica e transforma a sua realidade.
Os princípios
supracitados estão anteparados em três correntes teórico-metodológicas que
fundamentam as DCE e todas elas nos permitem compreender que não há uma verdade
absoluta e universal dos processos históricos, ressaltam a importância de
dialogar com diversas formas de ‘olhar’ e questionar a fonte, valer-se de
diferentes teorias e técnicas analíticas, afinal, nenhuma teoria é fechada
dentro de uma ‘modelo único’. Deste modo, as DCE rompem com antigos dogmatismos
e ortodoxismos historiográficos.
Partindo destes
pressupostos, conhecer as teorias e metodologias que as DCE utilizam no ensino
de história é fundamental para percebermos o ‘tipo’ de sujeito que ela quer
formar, bem como, que profissionais atuam na sala de aula. Neste sentido, é
notória a crítica que faz ao positivismo e metodismo europeu, os quais eram
preocupados com ideais de nação, progresso, universalidade, linearidade e
neutralidade do historiador, além de pautar-se na história cronológica,
política e ausente de críticas aos documentos oficiais.
Para sustentar
essa ruptura com os modelos curriculares anteriores, as DCE fazem uso da Nova
História, também conhecida como Escola dos Annales, que inovou com novas abordagens, métodos e fontes para o estudo e
escrita da História. Uma das contribuições que esta linha historiográfica
trouxe, e é considerada pelas DCE como ‘marco’, diz respeito à noção de
mentalidades, caracterizada pelo modo de pensar e agir dos sujeitos em
determinadas épocas e lugares. Além disso, esta historiografia que trouxe uma
nova percepção de tempo, sendo a conjuntura, estrutura e acontecimento formas
de categorizar o tempo como recorte de estudo. Em relação às fontes, pode-se
destacar o uso de objetos arqueológicos, tabelas, registros orais, entre outras
fontes que eram consideradas ‘não oficiais’, que passaram a ser criticadas,
problematizadas e interpretadas, deixando de lado a narração dos eventos tais
como eles aconteceram. Todavia, as DCE reconhecem alguns pontos frágeis desta
corrente historiográfica, como a ruptura com as estruturas políticas e a
desvalorização dos trabalhos voltados à biografia, além da fragmentação entre
objeto, método e teoria, que impossibilitaram a articulação entre o objeto o
todo. Por isso, a Nova História acabou sendo chamada de ‘História em Migalhas’
por François Dosse.
A Nova História
Cultural, outra corrente historiográfica utilizada pelas DCE, surge como uma
crítica à história das mentalidades, inovando com novas abordagens, métodos e
fontes. Exemplo disso, são os conceitos introduzidos por essa linha de
pesquisa, entre eles, o de representação, descontinuidades culturais e
dialogismo. Utiliza o termo ‘nova’ para distinguir-se das demais
historiografias; e ‘cultura’ para diferenciar-se da história intelectual. Vale
destacar que esta tendência historiográfica faz uso do método indiciário,
microanálise, valoriza os sujeitos em contextos mais amplos, dialoga com as
fontes, insere novas temporalidades, valoriza os sujeitos das classes populares
e rejeita a dicotomia entre cultura popular e erudita, como também, o
quantitativismo e a ideia da história como literatura. A amplitude das fontes e
dos tratamentos problematizados a elas, possibilita desenvolver uma consciência
histórica pautada na diversidade histórica e humana.
Por fim, a
terceira corrente teórico-metodológica utilizada pelas DCE é a Nova Esquerda
Inglesa, a qual possibilita compreender que a consciência é um produto social,
dialético e dialógico, expandindo a explicação histórica através do viés
econômico, afinal, sua base teórica caracteriza-se pelo materialismo histórico
dialético, ou seja, é uma nova roupagem do materialismo histórico proposto por Karl
Marx. Essa linha historiográfica traz luz à novos conceitos históricos, como:
cotidiano, religiosidade, cultura popular, entre outros. Fomenta ainda, sobre a
história ‘vista de baixo’, inserindo novas perspectivas temporais e personagens
históricos, valorizando as lutas e transformações sociais.
Todas essas
correntes teórico-metodológicas possibilitam [re]significar a escrita da
história e sua aplicabilidade na sala de aula, afinal, cada uma delas trouxe
inovações para o uso no processo de ensino e aprendizagem, primeiramente porque
deve haver uma ponte entre o conhecimento científico e a produção de saber
histórico no âmbito escolar, segundo que, os métodos utilizados pelos
pesquisadores podem ser colocados em prática pelos próprios discentes e docentes,
como o uso de diferentes fontes, problematização, levantamento de hipóteses,
organização e escrita de uma narrativa histórica pautada na produção
historiográfica em diálogo com o conhecimento prévio dos sujeitos. Mais do que
uma escrita pronta e acabada, a História é uma ciência humana em construção e,
ao colocar o alunado como sujeitos integrantes e formadores do processo
histórico, formaremos sujeitos capazes de entender e perceber as mudanças,
permanências e ajustes que ocorrem no processo histórico, como também, aptos à
interpretação, orientação e experiência histórica, a fim de situar-se e
posicionar-se enquanto homens e mulheres às suas realidades cotidianas.
Referências
Jessica Caroline de Oliveira. Doutoranda em
História. Licenciada em História pela Universidade Estadual do Paraná, campus
de União da Vitória. Possui Especialização em Cultura Afro-brasileira pela
Universidade Cândido Mendes e em História, Arte e Cultura pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa, onde também possui Mestrado em História, Cultura e
Identidades. Atualmente, é aluna de doutorado em História, Poder e Práticas
Socais na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Marechal Cândido
Rondon.
BRASIL. Parâmetros Curriculares
Nacionais: história. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
1998.
FREIRE, P. A importância do ato de
ler. São Paulo: Cortez, 1981. [livro]
GERMINARI, Geyso Dongley. História
Regional e Ensino de História. In: Paraná, espaço e memória: diversos olhares
histórico-geográficos; organizadores Cláudio Joaquim Rezende, Rita Inocêncio
Trices. Curitiba: Editora Bagozzi, 2005. [artigo]
LOPES, U. A aula expositiva dialógica:
superando o tradicional. In: VEIGA, I. P. A. Técnicas de ensino: por que não?
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PARANÁ, Secretaria do Estudo da
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PETERS, Ana Paula. O Movimento
Paranista. In: Paraná, espaço e memória: diversos olhares
histórico-geográficos; Organizadores Cláudio Joaquim Rezende, Rita Inocêncio
Trices. Curitiba: Editora Bagozzi, 2005. [livro]
RUSEN, J. História viva: formas e
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SCHMIDT, M. A. M. S. Cognição
histórica situada: que aprendizagem histórica é essa? In: SCHMIDT, M. A. M. S.;
BARCA, I. Aprender História: perspectivas da educação histórica. Ijui: Ed.
Unijuí, 2009. [livro]
Olá Jéssica. Sempre gostei da DC de História do Paraná. A proposta curricular foi inovadora,evidente que tinha problemas, mas diferente dos PCNs tinha uma discussão seria e metodologicamente construída sobre o ensino de história. A ideia de um livro didático construído a varias mãos rompia com modelos didáticos distante das questões mais regionais. Enfim, sem uma formação continuada séria, falta de recursos e a própria sucessão de nossos currículos, a proposta não foi adiante. Existe um certo consenso entre pesquisadores do currículo acerca da relação de um currículo oficial e um currículo real, ou como também foi conhecido como currículo oculto. Me parece que nós historiadores assintimos muito cordial e inadevertidamente com novos currículos, nos pomos a decifra-lo, entende-lo, explica-lo, e esquecemos que nossos professores usam de sua experiência e do currículo real que constroem nos anos de ensino. Então nós na universidade discutimos currículos que na prática pouco modificam as aulas de história e servem a um processo de burocratização! Poderemos resolver isso? Abcs
ResponderExcluirEverton Carlos Crema
Boa tarde.
ResponderExcluirConcordo com suas colocações e posso dizer que muitas vezes, enquanto professora, me senti distante da realidade discente por não entender esse currículo oculto, o qual realmente só construímos a partir da nossa experiência.
Acredito que a universidade precisa dialogar e ouvir mais quem está na sala de aula, pois todas as vezes que essa prática ocorria durante a minha formação, senti que era possível associar a teoria com a práxis. Tem muitas situações do cotidiano escolar que a universidade não pode, ou com muita dificuldade consegue explanar, no entanto, quem está no chão da escola pode nos auxiliar com a sua experiência a tecer reflexões.
Espero ter respondido a sua questão.
Att.
Jessica