Jessica Caroline de Oliveira


FAZER HISTÓRIA, FAZER UM PARANÁ: PERSPECTIVAS E PREMISSAS DE ENSINO DE HISTÓRIA




Pensar sobre as formas de escrita da história, como cada ‘momento’ historiográfico pensou e materializou os seus interesses, olhares e objetos de pesquisa, permite compreender que a História não é uma construção singular, mas que [re] formula-se conforme as premissas do historiador e o público a que se remete. Partindo desse viés, entende-se que as correntes historiográficas conseguiram ampliar sua atmosfera de atuação porque existiram bases teóricas anteriores que possibilitaram a crítica, construção e revisão dos seus princípios de análise. Neste sentido, esta produção textual tem por objetivo fomentar uma breve reflexão sobre o oficio historiográfico no tocante a forma como história foi orquestrada ao contexto paranaense – sua finalidade e intenção prática – e dialogar anseios às demandas de ensino, entre elas, as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná.

Partindo destes pressupostos, foi no século XX que a História surgiu em meio ao contexto de lutas burguesas, nacionalismo, formação de “Estado-Nação” e choques entre patrões e proletariado; sendo assim, tinha o intuito de justificar a formação do cidadão para a pátria, ressaltando a importância da burguesia emergente. Neste mesmo momento, a educação tornou-se um direito de todos, além de ser laica, universal, gratuita e obrigatória. No contexto brasileiro, esta disciplina foi implantada ao currículo escolar no ano de 1838, no Colégio Pedro II, tendo como foco criar uma identidade nacional homogênea, destacando a hegemonia de um Estado politicamente articulado e organizado.

A História do Brasil possuía como referência bibliográfica as produções do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e valia-se da influência europeia, sendo notórias as marcas do positivismo, entre as quais, pode-se destacar a afirmação de fatos sem qualquer crítica; explicação por meio de leis e grandes modelos; objetividade dos fatos históricos; ideia de causalidade e uma ordem cronológica linear, negando assim, a especulação e subjetividade interpretativa. As fontes eram rigorosamente selecionadas, a fim de comprovar os eventos políticos, genealogias das noções, enaltecimento dos grandes heróis, acontecimentos através de uma periodização e unidades geográficas que contemplavam os contextos eurocêntricos, por isso, a reflexão sobre um regionalismo era fruto do interesse das classes dominantes.

Neste sentido, questionar os modelos hegemônicos e buscar um ensino crítico e renovado exigia uma reformulação epistemológica e metodológica no ensino de História. Contudo, Germinari [2005] explica que havia um descompasso entre o currículo de ensino e o que se entendia como “história regional”, no qual, este distanciamento vinha desde o período republicano, onde o ensino de história regional era entendido e ensinado como “estudo dos Estados da Federação”, voltando-se para questões políticas e econômicas.

Meados dos anos de 1980, os “Círculos Concêntricos” [propostas curriculares], buscavam refletir elementos voltados à família, à comunidade, ao bairro e dialogar com contextos mais amplos. No entanto, essa perspectiva comprometeu a noção de espaço e suas influências, pois nem sempre o Estado representava a realidade histórica e cotidiana do corpo discente, visto que, imigrantes, por exemplo, mantinham seus vínculos culturais e com a terra natal de modo marcante. Além disso, o espaço que o alunado vivenciava era diacrônica as suas fronteiras geográficas, temporalidades e experiências históricas. Portanto, a seleção dos conteúdos e técnicas a serem utilizados na sala de aula, deveriam preocupar-se com o aspecto social, buscando valores humanistas e a defesa dos direitos humanos, partindo das várias experiências sociais – sobretudo, os grupos que, por um longo tempo, foram excluídos na escrita da História. Ou seja, o ensino de História não deveria pautar-se na dissociação entre discente e ensino de História, mas no seu reconhecimento como parte integrante e transformadora do processo histórico.

No tocante ao palco paranaense, pode-se destacar a finalidade da História para a construção da identidade do Estado. De acordo com Peters [2005], a iniciativa de gestar uma História do Paraná partiu da elite ligada à madeira e ao mate, ou donos de pequenas indústrias pautados na ideia de modernização e progresso. Para exemplificar esse processo, pode-se destacar a Exposição Industrial realizada em comemoração aos cinquenta anos de Emancipação Política do Paraná, que enfatizava tanto a valorização às máquinas quanto à identidade nacional e regional.

A sociedade assistia e convivia com uma identidade moldada à imagem de progresso e que rompia com o abandono administrativo da antiga Monarquia, além de assumir um modelo republicano, acompanhado do progresso e modernização que desde a abolição do tráfico de escravos, dinamizou a economia do Estado Brasileiro. Isso deve-se a associação da modernidade com a Proclamação da República, em que a construção dos heróis e insígnias buscavam legitimar o poder político e, simbolicamente, envolver o povo em ideias, aspirações e identificações coletivas, como a idolatria à bandeira ou à figura de Tiradentes [herói republicano, “Cristo das multidões”, conforme poema de Castro Alves], edificado na praça Tiradentes em Curitiba, sendo possível encontrar nessa mesma praça a representação de Benjamin Constant e João Gualberto [honrado herói paranaense, morreu no conflito do Contestado servindo ao Estado do Paraná e a República]. Buscou-se também utilizar novos nomes para ruas e praças, objetivando ‘reforçar’ a atuação no imaginário popular, sendo assim, a Rua Imperatriz passou-se a ser chamada de XV de Novembro e a praça D. Pedro II, tornou-se a praça Tiradentes.

Em meio a esse contexto, o Movimento Paranista surgiu com o propósito de construir a identidade do Estado do Paraná, organizado por intelectuais, artistas e literatos que cultuavam histórias e tradições, fomentavam essa invenção da identidade regional junto com a ideia de progresso. Entre as razões que explicam essa postura regionalista é o fato de que o Paraná resumia sua importância nacional às cidades de Curitiba, Paranaguá e Ponta Grossa, por isso, os estudos de Romário Martins possibilitaram um aprofundamento histórico e etnográfico, demonstrando a participação indígena e suas contribuições ao nacionalismo europeu. O Paranismo tinha como preocupação preservar a identidade da cultura regional, emergindo de sujeitos que não eram nascidos no Paraná, nem mesmo pertenciam a uma escola ou a uma estrutura acadêmica, entretanto, partilhavam de uma afeição pelo Paraná. Seu primeiro ofício foi criar o “paranaense”, num momento em que o Estado havia acabado de perder parte de suas terras à Santa Catarina. Nesta acepção, quando se olha para o Paranismo, muito mais do que entendê-lo como um movimento de construção à identidade paranaense, é também perceber como esse processo atuou e a forma como ele se impôs aos “estrangeirismos”, permitindo ao Paraná um caráter particular de republicanismo positivista e clerical.

Foi na busca por um sentimento de pertencimento à terra que se criou um perfil cultural envolvendo o espírito de modernização e “carisma curitibano”, o qual foi difundido socialmente ente os curitibanos, criando a ideia de perfectibilidade e o mito que Curitiba possuía uma “civilização exemplar, trabalhadora e disciplinada”. [PETERS, 2005, p 267]. Cabe destacar que essa ideia de identidade já havia sido semeada desde a chegada de imigrantes europeus, fortalecida pelo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, o qual foi uma das bases para o Paranismo.

O termo Paranista, conforme expõe a autora, surge da tentativa de agregar as múltiplas culturas que haviam no Paraná, como também, a recusa ao uso do termo nativista. Esse ‘agregar’ culturas não significava um processo de “aculturação”, mas sim, conferir ao Paraná o status de um espaço progressista e com uma sociedade cosmopolita. Para demonstrar a forma como esta ideia estava introjetada, a autora fala da estátua “O Semeador”, de João Zaco Paraná, que buscava representar essa imagem de civilidade, vocação agrícola e um Estado que semeava o futuro. Além disso, era comum as festas cívicas para divulgar símbolos paranistas, fossem estátuas, obras de arte, composições musicais ou arquiteturas; a população reverenciava e enaltecia os símbolos homenageados. Para tanto, o pinheiro, a pinha, o mate e a paisagem eram os temas centrais das produções artísticas. Entretanto, não só o meio artístico se encarregava dessa construção identitária, visto que, a História legitimava através da cientificidade os heróis e eventos históricos importantes; e a literatura, sensibilizava os paranaenses ao ideário Paranista, no qual, lendas e mitos indígenas foram resgatados e difundidos pela revista Ilustração Paranaense.

Outro elemento que é símbolo Paranista é o mate que, mesmo em menor uso, trouxe novamente a mitologia cristã de São Tomé no Brasil, contando que ao converter índios guaranis foi recompensado com o aprendizado de como utilizar a erva mate, planta mítica e detentora de efeitos curativos para os indígenas. Deste modo, a sociedade paranaense era representada pela formação social de índios e brancos, tendo o caboclo como descendente da inter-relação entre estas duas “raças”, excluindo os negros da participação e composição social.

A autora apresenta também, João Turin como um importante artista Paranista, pois o mesmo pintou as imagens que representavam os mitos guaranis registrados por Romário Martins, as quais “tinham um ar renascentistas, com musculatura bem definida e padrões seguindo as normas de equilíbrio e harmonia”, [Peters, 2005, p. 276]. Este artista chegou a propor uma “moda Paranista”, com bolsas, capas e outros objetos cotidianos com desenhos estilizados de pinhões e pinhas. Por fim, pode-se apontar que este movimento perdurou até os anos de 1940, onde o regionalismo passou a ser freado pelo governo de Getúlio Vargas, período em que a centralização e nacionalização buscou controlar as influências regionais. Todavia, as marcas do Paranismo continuaram fazendo parte do discurso de progresso e desenvolvimento, mesmo após os anos de 1950, introduzindo novos elementos e resignificando o seu repertório cultural. Além disso, contribuiu no programa de política pública de cultura paranaense, conhecido como “Parabenização”, que objetivava acabar com as exclusões sociais, econômicas e culturais, onde a cultura deveria fazer parte da vida de todos e de grupos ou espaços específicos.

Reflexo deste processo de pensar e valorizar a história paranaense, a partir da leitura das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná [DCE], podemos perceber tanto as mudanças, ajustes e permanências que fomentaram a elaboração dos currículos escolares no Brasil, bem como, o processo histórico percorrido até chegar às DCE, dada a superação teórica e metodológica em relação aos seus antecessores. Nesta acepção, é notório como o Colégio Pedro II postulou suas bases teóricas pautadas no positivismo, fazendo uso somente de documentos oficiais, glorificação de personagens heroicos, importantes fatos políticos, além da linearidade cronológica dos fatos, exaltação dos valores democráticos, ideal de progresso e de História universal, deixando de lado, por vezes, a História do Brasil. Vale destacar que os princípios positivistas influenciaram o ensinar e o aprender história por um longo tempo, deixando seus resquícios ainda hoje.

Entre os outros modelos de ensino história que podem ser destacados, pode-se expor a elaboração curricular proposta na Era Vargas, a qual, vinculava o ensino de História do Brasil com o projeto político nacionalista, ou ainda,  as orientações educacionais do período de Ditadura Militar, em que é possível perceber que neste modelo há continuidade de alguns pressupostos anteriores, como a utilização de documentos oficiais, cronologia linear dos grandes momentos políticos, além da despreocupação em estabelecer críticas ou interpretações aos fatos. Por outro lado, realizou uma ampla reorganização educacional, dividindo o primeiro grau em oito anos e tornou o segundo grau profissionalizante, tendo como objetivo a especialização da mão de obra. Em virtude disso, a disciplina de história perde espaço na grade curricular, mesclando-se com a geografia. Inclusive, a formação acadêmica é prejudicada, isso porque, instituiu-se a licenciatura em curta duração e houve uma profunda pressão no controle ideológico do Estado. Somente no fim dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, iniciam-se os debates em relação às reformas democráticas no ensino, partindo de novas reflexões acerca dos materiais didáticos e novas propostas curriculares. Nesta acepção, instituiu-se os Parâmetros Curriculares Nacionais [PCNs], cuja proposta era reorientar as práticas dos professores e a elaboração dos livros didáticos, privilegiando as competências dos discentes, formação de mão de obra, e com isso, minimizar a análise do objeto e reflexão crítica através da abordagem psicológica e sociológica dos conteúdos.

No Paraná, os PCNs foram utilizados até o ano de 2002, em seguida, houve uma mobilização da Secretaria da Educação, trazendo os profissionais da educação pública para elaborar um programa de ensino que partisse das necessidades e demandas próprias do Paraná, olhando as dificuldades e acertos da experiência próxima dos educadores, afinal, são eles que percebem quais os métodos e teorias que melhor sustentam suas práticas de ensino, o que resultou nas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná, as quais, romperam com os modelos anteriores que eram realizados por uma cúpula de orientadores que, por vezes, desconheciam as especificidades que o ensino apresentava, o que justifica o caráter homogêneo e universal que tentavam colocar em prática no Brasil.

Cabe salientar que as DCE deram cumprimento as Leis 13.381/01, 10.639/03 e 11.645/08 que tornavam obrigatório o ensino de História do Paraná, História e Cultura Afro-brasileira, como também, o ensino da História e Cultura Indígena, tornando-se assim, um documento de orientação escolar pautado na ideia de diversidade, além de inovar nas formas metodológicas e teóricas que se preocupam com a dialética temporal e entre professor e educando, sendo acessível e integrava a todos. Este modelo trouxe uma nova perspectiva para o ensino de História, dividindo-a, no ensino médio, em três eixos estruturantes: relações de trabalho, relações de poder e relações de cultura, possibilitando, assim, a diacronicidade temporal e espacial, sobretudo, partindo do presente e da realidade do aluno para a construção do saber histórico. Além disso, utilizou da historiografia atualizada e revisada para sustentar seus debates teóricos, reorientando, a partir disso, as práticas em sala de aula, afinal, teoria e prática devem e podem fazer uma ponte para melhor fomentar as dinâmicas de ensino.

A proposta sobre os encaminhamentos metodológicos que encontram-se nas DCE, primeiramente especifica os conteúdos para os anos finais do Ensino Fundamental, os quais objetivam dar ênfase à história local e do Brasil, fomentando diálogos, conexões e relações com a história mundial, e no que diz respeito ao Ensino Médio, a orientação que se faz é o ensino de história temática, noutras palavras, através de recortes específicos, busca-se realizar a discussão e solução de problemáticas previamente organizadas pelo professor. Vale salientar que, mais do que o conteúdo pelo conteúdo, as DCE tem como finalidade: a produção do saber histórico, colocando o corpo discente em contato com as diferentes fontes e a problematização específica para cada uma delas; a articulação crítica entre as narrativas teóricas e saberes prévios discentes; interpretação e levantamento de hipóteses variadas, pois não existe uma verdade única e hegemônica, mas sim, múltiplas, conforme o olhar e os questionamentos realizados à fonte ou à problemática do processo histórico; e, por fim, o uso relativizado do livro didático, visto que, o mesmo é um apoio e não deve ser o único material utilizado por docentes, além de ter informações limitadas e ‘enxutas’ sobre o conteúdo, é preciso saber dar tratamento adequado ao seu uso, afinal, se o professor não é detentor de verdades absolutas, o livro didático também não é, sendo necessária a articulação entre livro/material didático/teórico – docente – discente/conhecimento prévio.

A relação entre saberes prévios e saberes históricos pode ser pensada a partir de Rüsen [2007], a qual, permite compreender esse diálogo e a maneira de utilizá-lo de forma eficaz. Segundo o autor, ela desvela que a vida prática e social está ligada à orientação no tempo; o passado é ferramenta para aquisição de respostas às questões do presente; diálogo entre vida cotidiana e teoria; orientação e interpretação práticas que partem de teorias e princípios analíticos historiográficos. Ou seja, quando as DCE propõem modelos historiográficos para sustentar e orientar as práticas na sala de aula, mais do que a teoria pela teoria, ela objetiva a construção do conhecimento histórico, do pensamento crítico, da leitura de mundo, da interpretação, orientação e prática ligadas à dialética histórica, na qual, o alunado é mais do que um receptor de informações, ele é um agente histórico que problematiza o seu presente e busca no passado às experiências humanas que possibilitam compreender e [re]orientar suas ações e atuações do dia a dia.

Essa forma de aprendizagem histórica parte da consciência humana, associa-se à dialética do tempo, tornando-se apta para significar, adquirir experiência e competências práticas. Conceituada por Schmidt [2009] como cognição histórica situada, se baseia em desenvolver a experiência, a orientação e a interpretação histórica. Por isso, aprender História é narrar o passado a partir da vida no presente, construindo uma identidade para o sujeito, organizando sua atuação nas lutas e ações no hoje, tanto individuais quanto coletivas. O seu uso na sala de aula permite integrar discentes no processo de aprendizagem, ou seja, a medida que se sente ‘chamado’, questionado e instigado à refletir sobre questões que lhes são próximas, como bem explicita Lopes [1991], o alunado vai significar o passado e situar-se no presente, utilizando, neste processo, os seus saberes prévios, ou também denominados como consciência histórica conceito utilizado por Rüsen [2007]. A relação entre os conhecimentos particulares e as experiências do passado permite o sujeito interpretar e orientar historicamente as dinâmicas do presente, como também, perspectivar o futuro, tornando-se consciente, agente e crítico da sua realidade. Ou, como sinalizava Freire [1981], proporciona uma leitura de mundo, uma percepção de o sujeito não só vive, mas também altera, modifica e transforma a sua realidade.

Os princípios supracitados estão anteparados em três correntes teórico-metodológicas que fundamentam as DCE e todas elas nos permitem compreender que não há uma verdade absoluta e universal dos processos históricos, ressaltam a importância de dialogar com diversas formas de ‘olhar’ e questionar a fonte, valer-se de diferentes teorias e técnicas analíticas, afinal, nenhuma teoria é fechada dentro de uma ‘modelo único’. Deste modo, as DCE rompem com antigos dogmatismos e ortodoxismos historiográficos.

Partindo destes pressupostos, conhecer as teorias e metodologias que as DCE utilizam no ensino de história é fundamental para percebermos o ‘tipo’ de sujeito que ela quer formar, bem como, que profissionais atuam na sala de aula. Neste sentido, é notória a crítica que faz ao positivismo e metodismo europeu, os quais eram preocupados com ideais de nação, progresso, universalidade, linearidade e neutralidade do historiador, além de pautar-se na história cronológica, política e ausente de críticas aos documentos oficiais. 

Para sustentar essa ruptura com os modelos curriculares anteriores, as DCE fazem uso da Nova História, também conhecida como Escola dos Annales, que inovou com novas abordagens, métodos e fontes para o estudo e escrita da História. Uma das contribuições que esta linha historiográfica trouxe, e é considerada pelas DCE como ‘marco’, diz respeito à noção de mentalidades, caracterizada pelo modo de pensar e agir dos sujeitos em determinadas épocas e lugares. Além disso, esta historiografia que trouxe uma nova percepção de tempo, sendo a conjuntura, estrutura e acontecimento formas de categorizar o tempo como recorte de estudo. Em relação às fontes, pode-se destacar o uso de objetos arqueológicos, tabelas, registros orais, entre outras fontes que eram consideradas ‘não oficiais’, que passaram a ser criticadas, problematizadas e interpretadas, deixando de lado a narração dos eventos tais como eles aconteceram. Todavia, as DCE reconhecem alguns pontos frágeis desta corrente historiográfica, como a ruptura com as estruturas políticas e a desvalorização dos trabalhos voltados à biografia, além da fragmentação entre objeto, método e teoria, que impossibilitaram a articulação entre o objeto o todo. Por isso, a Nova História acabou sendo chamada de ‘História em Migalhas’ por François Dosse.

A Nova História Cultural, outra corrente historiográfica utilizada pelas DCE, surge como uma crítica à história das mentalidades, inovando com novas abordagens, métodos e fontes. Exemplo disso, são os conceitos introduzidos por essa linha de pesquisa, entre eles, o de representação, descontinuidades culturais e dialogismo. Utiliza o termo ‘nova’ para distinguir-se das demais historiografias; e ‘cultura’ para diferenciar-se da história intelectual. Vale destacar que esta tendência historiográfica faz uso do método indiciário, microanálise, valoriza os sujeitos em contextos mais amplos, dialoga com as fontes, insere novas temporalidades, valoriza os sujeitos das classes populares e rejeita a dicotomia entre cultura popular e erudita, como também, o quantitativismo e a ideia da história como literatura. A amplitude das fontes e dos tratamentos problematizados a elas, possibilita desenvolver uma consciência histórica pautada na diversidade histórica e humana.
Por fim, a terceira corrente teórico-metodológica utilizada pelas DCE é a Nova Esquerda Inglesa, a qual possibilita compreender que a consciência é um produto social, dialético e dialógico, expandindo a explicação histórica através do viés econômico, afinal, sua base teórica caracteriza-se pelo materialismo histórico dialético, ou seja, é uma nova roupagem do materialismo histórico proposto por Karl Marx. Essa linha historiográfica traz luz à novos conceitos históricos, como: cotidiano, religiosidade, cultura popular, entre outros. Fomenta ainda, sobre a história ‘vista de baixo’, inserindo novas perspectivas temporais e personagens históricos, valorizando as lutas e transformações sociais.

Todas essas correntes teórico-metodológicas possibilitam [re]significar a escrita da história e sua aplicabilidade na sala de aula, afinal, cada uma delas trouxe inovações para o uso no processo de ensino e aprendizagem, primeiramente porque deve haver uma ponte entre o conhecimento científico e a produção de saber histórico no âmbito escolar, segundo que, os métodos utilizados pelos pesquisadores podem ser colocados em prática pelos próprios discentes e docentes, como o uso de diferentes fontes, problematização, levantamento de hipóteses, organização e escrita de uma narrativa histórica pautada na produção historiográfica em diálogo com o conhecimento prévio dos sujeitos. Mais do que uma escrita pronta e acabada, a História é uma ciência humana em construção e, ao colocar o alunado como sujeitos integrantes e formadores do processo histórico, formaremos sujeitos capazes de entender e perceber as mudanças, permanências e ajustes que ocorrem no processo histórico, como também, aptos à interpretação, orientação e experiência histórica, a fim de situar-se e posicionar-se enquanto homens e mulheres às suas realidades cotidianas.

Referências
Jessica Caroline de Oliveira. Doutoranda em História. Licenciada em História pela Universidade Estadual do Paraná, campus de União da Vitória. Possui Especialização em Cultura Afro-brasileira pela Universidade Cândido Mendes e em História, Arte e Cultura pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também possui Mestrado em História, Cultura e Identidades. Atualmente, é aluna de doutorado em História, Poder e Práticas Socais na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Marechal Cândido Rondon.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: história. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1981. [livro]

GERMINARI, Geyso Dongley. História Regional e Ensino de História. In: Paraná, espaço e memória: diversos olhares histórico-geográficos; organizadores Cláudio Joaquim Rezende, Rita Inocêncio Trices. Curitiba: Editora Bagozzi, 2005. [artigo]

LOPES, U. A aula expositiva dialógica: superando o tradicional. In: VEIGA, I. P. A. Técnicas de ensino: por que não? Campinas: Papirus, 1991. [livro]

PARANÁ, Secretaria do Estudo da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica – História. Curitiba: SEED, 2008.

PETERS, Ana Paula. O Movimento Paranista. In: Paraná, espaço e memória: diversos olhares histórico-geográficos; Organizadores Cláudio Joaquim Rezende, Rita Inocêncio Trices. Curitiba: Editora Bagozzi, 2005. [livro]

RUSEN, J. História viva: formas e funções do conhecimento histórico. Editora: Universidade de Brasília, 2007. [livro]

SCHMIDT, M. A. M. S. Cognição histórica situada: que aprendizagem histórica é essa? In: SCHMIDT, M. A. M. S.; BARCA, I. Aprender História: perspectivas da educação histórica. Ijui: Ed. Unijuí, 2009.  [livro]

2 comentários:

  1. Olá Jéssica. Sempre gostei da DC de História do Paraná. A proposta curricular foi inovadora,evidente que tinha problemas, mas diferente dos PCNs tinha uma discussão seria e metodologicamente construída sobre o ensino de história. A ideia de um livro didático construído a varias mãos rompia com modelos didáticos distante das questões mais regionais. Enfim, sem uma formação continuada séria, falta de recursos e a própria sucessão de nossos currículos, a proposta não foi adiante. Existe um certo consenso entre pesquisadores do currículo acerca da relação de um currículo oficial e um currículo real, ou como também foi conhecido como currículo oculto. Me parece que nós historiadores assintimos muito cordial e inadevertidamente com novos currículos, nos pomos a decifra-lo, entende-lo, explica-lo, e esquecemos que nossos professores usam de sua experiência e do currículo real que constroem nos anos de ensino. Então nós na universidade discutimos currículos que na prática pouco modificam as aulas de história e servem a um processo de burocratização! Poderemos resolver isso? Abcs


    Everton Carlos Crema

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  2. Boa tarde.

    Concordo com suas colocações e posso dizer que muitas vezes, enquanto professora, me senti distante da realidade discente por não entender esse currículo oculto, o qual realmente só construímos a partir da nossa experiência.
    Acredito que a universidade precisa dialogar e ouvir mais quem está na sala de aula, pois todas as vezes que essa prática ocorria durante a minha formação, senti que era possível associar a teoria com a práxis. Tem muitas situações do cotidiano escolar que a universidade não pode, ou com muita dificuldade consegue explanar, no entanto, quem está no chão da escola pode nos auxiliar com a sua experiência a tecer reflexões.
    Espero ter respondido a sua questão.

    Att.

    Jessica

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