Ilana Peliciari Rocha


ESTÁGIO SUPERVISIONADO: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA-UFTM



Introdução
Pretende-se, por esse relato, demonstrar um experimento por indução na prática pedagógica do ensino de história na educação fundamental. A pesquisa se delimita na observação do Estágio Supervisionado no curso de História da UFTM no ano de 2019, a partir de um estágio-pesquisa. Aos alunos foi estabelecida a proposta de estágio conjugada com apresentação de um relatório-pesquisa, após eleição de uma proposta de intervenção problematizada em temas históricos tendo como resultado para avaliação a produção de um artigo.

Aspectos gerais do Estágio Supervisionado no curso de História da UFTM
O Estágio é uma etapa fundamental na formação dos futuros professores de História. Conduzir as propostas de intervenção na realidade escolar contemporânea engloba não só compreendê-la, mas também ter a consciência da própria dinâmica do conhecimento histórico. Seu encaminhamento nessa etapa é um desafio para os responsáveis pela disciplina, pois carrega grandes expectativas por parte dos futuros professores. As vivências nesse desafio permitiram identificar as dificuldades dos estagiários e pensar novas conduções para anos posteriores. Esse texto procura apresentar essa experiência com a formação de professores de História. 

Ao longo dos dez anos do curso de História da Universidade Federal do Triângulo Mineiro o Estágio sempre mereceu atenção constante e resultou em vários egressos tornando-se docentes da educação básica com uma formação crítica e reflexiva. E, muitos inclusive, são importantes para o processo de formação dos novos professores-historiadores, como supervisores das disciplinas de Estágio.

No transcorrer dos anos o Estágio passou por reestruturações. A carga horária teórica aumentou de duas aulas semanais para quatro. Além disso, também recebeu sustentação das disciplinas obrigatórias que passaram a contar com uma carga prática desde o primeiro período do curso. Ou seja, o curso incorporou as questões pedagógicas nas disciplinas historiográficas e o corpo docente do Departamento de História envolve-se com a perspectiva pedagógica em suas áreas. Esses direcionamentos visaram uma formação docente sólida e comprometida, sustentada por uma concepção de professor-historiador.

Os Estágios Supervisionados contemplavam um semestre para observação e outro semestre para o projeto de intervenção, ficando um ano para os anos finais do Ensino Fundamental e outro para o Ensino Médio. Na última reestruturação do Estágio o corpo docente do curso modificou essa dinâmica. A partir das discussões em torno da Base Nacional Comum Curricular e do próprio sentido e importância dessa etapa no curso, cada Estágio passou a contemplar observação e regência em cada semestre. Entre as motivações para a mudança estava a de que ao estar no Estágio Supervisionado 1 ou 3 [etapas de observação], no segundo semestre, o estagiário observava uma turma e essa se alterava no ano posterior, na etapa de regência. Isso dificultava o vínculo entre a observação e a prática.

Essas mudanças vão na direção das bases legais estabelecidas pela Diretrizes Nacionais Curriculares para Formação de Professores. Segundo a regulamentação da UFTM para o Estágio Supervisionado:

“O aluno-estagiário deverá desempenhar suas atividades numa perspectiva de reflexão na ação e sobre a ação, de modo a formar-se como um professor reflexivo que paute sua prática em dimensões éticas e políticas, de forma crítica, contextualizada, interdisciplinar e transformadora” [UFTM, 2017].

Ainda assim, a experiência vivenciada no Estágio relatada aqui mostrou que ainda há muito para avançar.

Relato de Experiência em Estágio Supervisionado nos anos finais do Ensino Fundamental
Com base nessas reflexões, no ano passado realizou-se uma reformulação na dinâmica do Estágio II. Apresenta-se aqui essa experiência com duas turmas de Estágio Supervisionado, no curso de História-UFTM, totalizando 22 discentes concluintes da disciplina no ano de 2019, distribuídos em dois semestres.

O Estágio foi estruturado com uma divisão nas seguintes etapas: revisão do referencial teórico; atividades em sala; avaliações do processo e conclusões.

Como leitura inicial da disciplina de Estágio II, o texto da Selma Garrido Pimenta e da Maria Socorro Lucena Lima permitiu reconhecer as diversas concepções de Estágio e refletir a perspectiva do Estágio-pesquisa. Segundo as autoras:

“A pesquisa no estágio, como método de formação dos estagiários futuros professores, se traduz pela mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam. Mas também e, em especial, na Possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e habilidades de pesquisador a partir das situações de estágio, elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam” [Pimenta & Fonseca, 2005/2006, p. 14].

Ao discutir essas questões nas disciplinas de Estágio a perspectiva do Estágio-pesquisa despertou a ideia de deixar mais clara e objetiva essa proposta, que já estava contemplada no PPP do Curso. O Estágio-pesquisa pretende uma formação pedagógica ampliada, que não se reduza à experiência prática de ensino, mas que a conjugue com a experimentação criativa e questionadora, destinada a investigar o ensino de história, no sentido de perceber suas peculiaridades.

Essa proposta é absolutamente enriquecedora, mas o caminho é tortuoso, como se revelou na experiência relatada. O problema principal ocorreu na proposta de intervenção, onde é necessária uma relação de causa e efeito entre a proposta e a repercussão pela análise do estagiário. É fundamental que o estagiário seja protagonista nas duas pontas do processo. Mas no momento de planejamento e eleição de temáticas para as propostas de intervenção isso não ocorreu.

Seguindo uma proposta de avaliação continuada, já nesse início observou-se uma dificuldade recorrente e crucial entre os alunos: algumas temáticas acabavam contemplando mais escolhas dos supervisores do que resultado da própria observação realizada. Em outros casos, percebeu-se um descompasso entre a observação e a prática. Alguns estagiários se perdiam no emaranhado de anotações do cotidiano das aulas. Cada aula carrega inúmeras problemáticas e possibilidades de reflexões, organizar e estruturar um foco é uma tarefa difícil para os futuros professores. Alguns acabam nos seus relatórios discutindo diversas questões sem profundidade.

Ao perceber a dificuldade dos estagiários em formular o projeto de intervenção que resultasse da análise da realidade observada, procurou-se delimitar a análise de observação. Dessa forma, foi proposto um rol temático para a elaboração do projeto de intervenção nos anos finais do Ensino Fundamental. As temáticas indicadas ligavam-se com questões relativas ao Ensino e à Didática em História: tempo histórico/espaço; novos temas [História Ambiental, História da Ciência, Biografias, etc.] e novas metodologias [uso de NTICs, de jogos, de audiovisuais, etc.]; interdisciplinaridade; História Local e Regional; Ensino de Cultura indígena e Afro-brasileira; conceitos históricos; livro didático e Fontes Históricas. Esse rol procurou contemplar temáticas gerais que pudessem encaixar em diversas temporalidades, pois um desafio dos estagiários é propor projetos de intervenção fora do conteúdo programático dos supervisores. Os Estagiários fizeram a escolha de uma temática que seria o foco de pesquisa e ação em consonância com a visão dos supervisores.

É claro que outras questões relativas às observações que não se enquadravam na temática foram discutidas e socializadas nas aulas presenciais. Buscou-se sempre pensar a perspectiva de Flávia Eloisa Caimi, de que:

“a contribuição mais importante a ser dada pelos cursos de história na formação do professor talvez seja a de fazer ruírem os quadros de referência prévios dos professores em formação, no que respeita à compreensão da atividade de ensinar como mera transmissão, ao entendimento dos alunos como depositários de fatos, à definição dos conteúdos escolares como fins em si mesmo, dentre outros. Em seu lugar, a compreensão de que o ensino é, fundamentalmente, ‘uma relação social caracterizada pela dependência mútua, pela interação e o engajamento social entre os nele envolvidos’” [Caimi, 2006, p. 31].

Assim, essas questões também direcionaram o andamento da disciplina e a perspectiva de intervenção. A proposta é problematizar os aspectos do ensino de História e pensar ações efetivas para intervir na realidade. A condução dos projetos de intervenção dos Estágios foi contemplar essa etapa de formação com um direcionamento de pesquisa-ação. A partir da escolha do tema os estagiários iniciaram o levantamento bibliográfico e a apresentação de seminário sobre o tema escolhido.

Alguns temas se repetiram como fontes históricas e livros didáticos, mas cada estagiário ou dupla escolheram textos diferentes na apresentação dos seminários. Alguns temas não foram escolhidos, como tempo histórico/espaço, novos temas e interdisciplinaridade.

A primeira leitura foi importante para conduzir a elaboração de um questionário diagnóstico para a observação. Cada tema contemplou um questionário específico. Os questionários serviram como um direcionamento na etapa de observação das aulas de História nos anos finais do Ensino Fundamental. A elaboração ocorreu de forma colaborativa, ou seja, com a participação de toda a turma. Foi um espaço dinâmico de identificação de problemáticas relacionadas aos temas e de complementação de ideias. Perceberam que algumas temáticas se relacionavam e que apesar de distintas, na etapa do questionário, acabaram dialogando.  

A carga horária para observação com foco na temática escolhida foi de 10 aulas. Já a carga de Intervenção variou para os estagiários dependendo das possibilidades de cada escola. A carga horária mínima era de 4 aulas para cada estagiário ou duplas de estagiários.

Durante essas observações direcionadas apareceram certas dificuldades com relação ao questionário de alguns temas. Alguns casos, foi necessário complementar ampliando questionários aos estudantes da educação básica e professor supervisor. Por exemplo, um estagiário que trabalhou com novas metodologias, com enfoque em filme, não conseguiu acompanhar em suas observações aulas que contemplassem o tema. Dessa forma, fez uma entrevista com os supervisores e um questionário para a turma acompanhada. Além disso, focou nas observações outros aspectos relacionados com a questão metodológica que pudessem contribuir para seu problema específico. Essas estratégias foram discutidas em momentos de socialização sobre a etapa de observação. Essa possiblidade também ficou aberta para os estagiários para um embasamento mais amplo. Alguns estagiários também tiveram problemas para seguir o cronograma em função das dinâmicas das escolas e dos supervisores e outros precisaram mudar de tema ao longo da observação. Foram alguns obstáculos para a estruturação da dinâmica.

Após a observação das aulas os estagiários passaram para a próxima etapa: de tabulação e análise das observações. O direcionamento temático favoreceu ao aprofundamento de questões específicas dos temas e percepções da realidade observada. Alguns estagiários apresentaram dificuldade na análise desses dados e não conseguiram aprofundar na análise, outros não utilizaram como justificativa para o projeto de intervenção. Mas, no geral, esses obstáculos serviram como mecanismos para refletir a ação docente e seus diversos desafios.

Com a análise empreendida foi possível estruturar o projeto de intervenção com base nas conclusões da análise. Essa etapa exigiu a ampliação das leituras e um trabalho individualizado com cada estagiário para afinar e discutir os aspectos pertinentes à temática. Questões levantadas no momento de observação foram norteadoras para a proposta de atuação. O projeto contemplou a justificativa, os objetivos, a metodologia, o cronograma e as referência bibliográficas. Com o projeto de intervenção pronto partiu-se para sua execução.

A execução focada demonstrou mais embasamento e preparação no momento da prática. Percebeu-se que, na maioria dos casos, ocorreu a conexão entre a teoria e a prática e mais do que isso, a percepção dos próprios estagiários dessa convergência. Além disso, buscou-se salientar que:

“O professor inicia a aula com um planejamento prévio, alguns objetivos de ensino, certos conteúdos selecionados. Se este planejamento for algo sólido, com atividades definidas, conteúdos claros, conexões com outras disciplinas bem articuladas, modos de avaliação das aprendizagens bem fixados, oportunizando aprendizagens significativas, ele terá mais chances de ser executado do início ao fim mais ou menos como foi previsto” [Seffener, 2010, p. 217].

O direcionamento temático contribuiu para esse planejamento mais sólido, ao conduzir observação e a prática com leituras específicas. E o trabalho final, a elaboração de artigo científico, possibilitou a sintetização das todas as etapas do estágio-pesquisa. Verificou-se algumas dificuldades para essa sistematização, mas também uma possibilidade para avaliação do ensino-aprendizagem e do pensar a prática docente enquanto espaço de pesquisa.

No momento de socialização dos resultados do projeto de intervenção perceberam que embora alguns estagiários tenham trabalhado com o mesmo tema; as propostas e a análise da realidade mostraram-se diferenciadas.

Considerações finais
Na apresentação da proposta para o Estágio, observou-se uma preocupação com a dinâmica e, principalmente, com a perspectiva de escrita de um artigo. Ao longo do tempo a insegurança foi passando com a consolidação de cada etapa. E, mesmo com as dificuldades pessoais conseguiram concluir essa etapa de formação.

Assim, o trabalho desenvolvido pelos estagiários [as] demonstrou que a proposta de encaminhamento para o Estágio teve seus êxitos e dificuldades. A eleição do tema de intervenção foi um problema central, pois representava o eixo da pesquisa, mas resultou num desafio necessário para esse tipo de proposta.

Cada estagiário vivenciou uma realidade específica do ambiente escolar e de turma que se inseriu. Os estagiários, geralmente, selecionam suas escolas por proximidade de suas casas e trabalhos ou vínculos com algum supervisor ou outra pessoa da comunidade escolar. A partir desse contato inicial foi possível desenvolver o projeto de intervenção. No transcurso da disciplina foram registrados problemas com os estagiários com relação alguns temas que tiveram que ser trocados por causa de situações diversas nas turmas escolhidas: mudança de supervisor, atraso no conteúdo previsto, entre outros. Além disso, a observação focada precisou ser complementada no caso de alguns temas que não foram trabalhados nas aulas observadas. Um procedimento foi a inclusão de questionário para professor supervisor e alunos da Educação Básica.

Percebeu-se que a preparação direcionada possibilitou uma prática de ensino mais preparada articulando os conhecimentos pedagógicos às reflexões específicas da disciplina.  A execução do projeto teve seus aspectos positivos e negativos, mas observou-se uma preparação mais sólida e um olhar mais apurado para os desafios do tornar-se professor de História.

Referências
Ilana Peliciari Rocha é Professora do Departamento de História da UFTM.

CAIMI, F. E. Por que os alunos [não] aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. in Tempo, vol. 11, n. 21, Niterói, jun. 2006 [Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042006000200003&script=sci_arttext Acesso em 26/03/2020]. [internet]

UFTM, Norma Interna de Estágio Curricular Supervisionado do Curso de Graduação em História – Licenciatura, 12/12/2017.

PIMENTA, S. G. LIMA, M. S. L. Estágio e docência: diferentes concepções. in Poíseis Pedagógica, vol. 3, n. 3-4, p. 5-24, 2005/2006. [artigo]

SEFFNER, F. Saberes da docência, saberes da disciplina e muitos imprevistos: atravessamentos no território do ensino de História. BARROSO, V. L. M. [org.]. Ensino de história: desafios contemporâneos. Porto Alegre: Exclamação/ANPHU/RS, p. 213-229, 2010. [artigo]

4 comentários:

  1. Olá, Ilana. Vejo que a pesquisa e a compreensão de que ela deve estar obrigatoriamente ligada ao ensino vem crescendo e consolidando o ensino de história, tanto em relação ao preparo da aula, fontes, historiografia, como também em relação aos problemas cotidianos da sala de aula, que podem e precisam ser refletidos por uma pesquisa ação da própria realidade escolar. Ensinar história sem conceber a cultua escolar e social do aluno se apresenta problemática. Acredito que nossos alunos percebem a vantagem de aliar pesquisa e ensino. Gostaria de saber se na sua reformulação do estágio em sua universidade, surgiram muitos dilemas e resistências e como forma sendo superados? Obrigado pelo texto!!! Abcs


    Everton Carlos Crema

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  2. Prof. Dr. Everton C. Crema,

    Importantíssimas suas colocações e questionamentos.
    Concordo com você sobre a importância de conhecer e refletir sobre a cultura escolar e do aluno. Nessa experiência de Estágio-2 relatada essas reflexões ocorreram e se conectaram com a proposta de Estágio-pesquisa. No Estágio-1 deram atenção à essa questão e a maioria dos estagiários continuaram na mesma escola e até mesmo com as mesmas turmas. Um dos desafios foram alguns estagiários que tiveram que mudar de escola, pois buscaram essa reflexão totalmente no semestre em questão. Percalços do desenvolvimento do Estágio.
    Como você, também acredito na percepção dos discentes em vincular a pesquisa e o ensino. Mas uma coisa é essa percepção, a outra é a execução desse vínculo. Alguns ainda apresentam dificuldades nesse manejo. Assim, a proposta seguiu nesse sentido, auxiliar no processo.
    O Estágio no nosso curso não é disciplina fixa de alguns professores, mas um processo coletivo. Compartilhamos a ideia de que a formação dos professores-historiadores é papel de todos os professores do Departamento. Assim, o processo de mudança de sua estrutura do Estágio foi coletivo, desencadeando debates e superações. Ainda não se encontra finalizado e para esse semestre – interrompido pela pandemia -, essa experiência relatada aqui contribuiu na distribuição de temáticas específicas para cada estágio. A formação de professores é um caminho de constantes dilemas e resistências. O reconhecimento de seu papel na sociedade nos fortalece nessa caminhada.

    Grata pela partilha.

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  3. Boa noite Professora Ilana,

    Seu texto é muito pertinente, pois me fez refletir sobre minha prática nas disciplinas cursadas, quando graduanda. As vi, agora, pelo olhar docente e todas as situações relatadas, principalmente quanto ao cronograma e relação teórico-prática foram vividas por mim, em minha experiência de estágio.

    No mais, gostaria de indagar acerca de como, a seu ver, a correlação entre a escola e a universidade podem repercurtir e desenvolver os licenciandos na área de História?
    Como resolver a distância entre estas duas instituições (escola-universidade) para um melhor desenvolvimento da prática educacional entre os graduandos?

    Nome: Gisely Capitulino da Fonseca.

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