Geilza da Silva Santos e Ellen Cristine Alves S. Canuto


APONTAMENTOS E POSSIBILIDADES: PRÁTICAS AVALIATIVAS NO ENSINO DE HISTÓRIA



A escola, pensada como espaço de legitimação dos saberes, está permeada de processos avaliativos. Nesse caso, professores, diretores e a comunidade escolar de maneira geral devem problematizar o papel da avaliação escolar no ensino e quais ações vêm assumindo nas práticas educativas. Alguns questionamentos do educador espanhol Antoni Zabala são pertinentes para pesar sobre essa questão: “Avaliação serve para medir o grau de conhecimento do discente? Serve para medir o processo de ensino/aprendizagem? Quem se avalia? O que se avalia?” [Zabala, 1998, p. 197]. Deste modo, é necessário utilizar as práticas avaliativas como forma de auxiliar o professor na construção do conhecimento e não apenas na verificação de aprendizagem. Nesse quesito a educadora Regina Leite Garcia faz a seguinte explanação:

“Termo avaliação é de utilização recente, já que a palavra “exame” era mais frequentemente utilizada para designar provas de conhecimento. Datam aos remotos 1200 a.C. as primeiras práticas de avaliação/exame de que temos notícia. Esses exames eram realizados pela burocracia chinesa com intuito de selecionar [somente junto aos homens] aqueles que deveriam ocupar cargos públicos. Desde seus primórdios, portanto, verificamos na avaliação a predominância de um componente seletivo em detrimento a qualquer aspecto educativo.” [Garcia,1998, p.32]

 De acordo com o texto, apresentado pela educadora, entendemos que por muito tempo nas escolas utilizavam-se do termo exame, que consistia em provas das quais os alunos eram submetidos e por meio destas os professores calculavam o conhecimento dos mesmos. É necessário apontar que quando nos referimos a práticas avaliativas não as restringimos as famosas provas em formatos de perguntas escritas ou orais que demonstram apenas em termos quantitativos o conhecimento histórico que gostaríamos de avaliar, não levando em conta as variáveis que podem afetar no desempenho dos alunos no momento de sua aplicabilidade. Desse modo, alguns pesquisadores apontam para que a avaliação não seja o único método utilizado, mas seja apenas uma das ferramentas no processo avaliativo.

Uma das grandes questões colocadas a respeito das provas é serem utilizadas como uma facilitadora para a atribuição de notas. Ela deixa uma lacuna, pois outras questões não serão levadas em conta no processo avaliativo e, portanto, não será capaz de saber quais as necessidades dos discentes não estão sendo atendidas ou se a comunicação entre professor e aluno não está tendo o efeito desejado na produção do conhecimento histórico, apontando a insuficiência do processo avaliativo. Se pensarmos em uma prova sendo aplicada em uma sala de aula com quarenta alunos, com vivências e experiências variadas, tendo por pontuação de 0 a 10, pode ser que as notas mais baixas estejam associadas às dificuldades de alguns em leitura e interpretação de texto, outros tenham dificuldade em demonstrar de maneira descritiva o conhecimento aprendido em sala.
Com isso queremos demonstrar que esses números, quando se utiliza apenas essas notas, não iram apontar o real aprendizado dos alunos no processo de ensino/ aprendizagem. As notas sendo utilizadas normalmente para categorizar os alunos, os classificam na maioria das vezes como inferior, médio ou superior quanto ao seu desempenho, ficando preso a esse estigma e não conseguindo revelar o real potencial dos alunos. No entanto, alguns autores apontam que não necessariamente é preciso descartar as provas, mas pode utilizá-las em um meio termo. Desse modo:
“Creio que a posição mais moderada seria tanto a de evitar o endeusamento da nota, envolvendo-a numa aura mágica e confundindo-a com a própria aprendizagem, como a de não rechaçá-la por completo. Na primeira perspectiva, conforme já mencionado [Luckesi, 1984], a avaliação se reveste de um caráter exclusivamente comercial, contabilístico, pelo qual se somam e se dividem notas. Na segunda perspectiva, pode-se incorrer no erro de retirar o elemento de comunicação entre professores e alunos e seus responsáveis” [Depresbiteris, 1998, p.168].

Portanto, para não incorrer nesse erro, o primeiro passo seria o planejamento da avaliação. De acordo com Zabala [1998] para se planejar um processo avaliativo é necessário, a priori, estabelecer quem são os sujeitos: alunos, classe ou grupo e professores e quais seriam os objetos de uma avaliação: processo de aprendizagem e processo de ensino.

As práticas avaliativas, portanto, aliadas ao processo avaliativo do conhecimento desenvolvido no aprendizado dos alunos se torna uma ferramenta eficaz para o professor. Os PCNs indicam que ao utilizar a avaliação enquanto meio “para o desenvolvimento das atividades didáticas requer que ela não seja interpretada como um momento estático, mas antes como um momento de observação de um processo dinâmico e não-linear de construção de conhecimento. [Brasil, 2008, p. 56]. Dentro desse processo de ensino/aprendizagem a avaliação está como foco principal, em que “[...] o sistema escolar gira em torno desse processo e tanto professores como alunos se organizam em função dele”. [Moretto, 2003, p. 93]. Isso nos faz refletir sobre a importância desse processo não só dentro do âmbito escolar como também na função de avaliar o aluno para que o mesmo possa “provar” os seus conhecimentos cognitivos e garantir seu ingresso no ensino superior.

O sistema de avaliação é integrado ao processo de aprendizagem, pelo qual podemos viabilizar o exercício do conhecimento adquirido pelo aluno, porém essa prática tem direcionado aspectos relacionados ao âmbito do cotidiano, ou seja, quando falamos sobre o ensino de História alguns alunos e mesmo professores logo associam essa disciplina ao processo decorativo, que nos leva a certa “mesmice” dos fatos.  No entanto, essa perspectiva vem sendo modificada dentro do processo de ensino/aprendizagem, no qual o aluno passa a produzir o seu próprio conhecimento e não mais um mero sujeito passivo, mas com papel ativo, pois o importante é “[...] levar os alunos a identificar elementos de compreensão de conteúdos históricos nas suas experiências sociais” [Brasil, 2008, p. 91].

Essa contextualização dos conteúdos produz um significado aos elementos históricos e os relacionam com o processo social e cultural dos alunos. Deste modo, o professor não é mais um reprodutor e sim um mediador desse processo de aprendizagem. Para tanto, como nos aponta Moretto: “a finalidade tanto do ensino como da avaliação da aprendizagem é criar condições para o desenvolvimento de competências do aluno.” [Moretto, 2003, p. 99]. De acordo com as historiadoras Maria Auxiliadora Schimidt e Marlene Cainelli: 

“A avaliação nunca pode ter um fim em si mesma, mas deve ser vista como meio que funcionará muito mais para resolver e sanar dificuldades de ensino e aprendizagem que para classificar o aluno, apontar seus erros ou reprová-lo” [Schimidt & Cainelli, 2004, p. 184].

Assim sendo, existem várias questões que estão relacionadas com a prática de avaliar e essas devem ser levadas em consideração para se analisar a aprendizagem em História. Como trazem as historiadoras:

“Umas delas é entender o significado do ato de avaliar, isto é, insistir que avaliação é, sempre, um julgamento de valor, o qual pressupõe a explicitação das finalidades, dos objetivos e dos critérios de quem avalia para quem será avaliado”. [Schimidt & Cainelli, p.183].    

Esse seria um dos passos primordiais, deixar claro para os alunos, as intenções da avaliação e seus pressupostos avaliativos. Mas é preciso conhecer também as principais características no ato de avaliar. Para Schimidt & Cainelli, seriam elas: Avaliação inicial; avaliação formativa e avaliação somativa, A avaliação inicial teria por fim obter informações sobre atitudes, comportamentos, interesses dos alunos. Seus aspectos mais enfatizados seriam: “[...] as análises de aptidões e/ou interesses considerados desejáveis, tendo em vista os objetivos que se quer atingir” [Idem, p.184]. A avaliação formativa, por sua vez, teria por intuito perceber as mudanças relacionadas com o conhecimento e detectar os problemas no processo de ensino-aprendizagem. Os aspectos enfatizados, nesse caso, seriam “os resultados da aprendizagem relativamente aos objetivos, a comparação entre diferentes resultados obtidos pelo mesmo aluno, o processo de aprendizagem que permitiu a obtenção de resultados e as causas dos insucessos na aprendizagem” [Idem, p.184]. Por fim a avaliação somativa tem por objetivo realizar um diagnóstico do aluno ao final de um período, ou uma unidade, ou bimestre ou ano. Os principais aspectos relevantes para essa avaliação seriam “os resultados da aprendizagem baseada nos objetivos” [Idem, p.185].

A avaliação, segundo Marcus Leonardo Bomfim Martins, seria um instrumento curricular, pois a avaliação do aluno é uma tomada de decisão curricular. Portanto, para esse autor: “A avaliação do aprendizado também não é neutra e precisa de reflexões sobre seus usos e possibilidades” [Martins, 2011, p.5]. Nesse caso, vários aspectos devem ser levados em consideração: os aspectos relacionados à escola, a formação cidadã e a aprendizagem específica dos conteúdos da disciplina. A avaliação, seguindo por esse viés, não pode ser compreendida como algo isolado, pois “já que tem subjacente uma concepção de educação e uma estratégia pedagógica”. [Idem, p.5]. Mas como bem como salienta esse autor: “Avaliar a aprendizagem do aluno em relação aos conteúdos selecionados e ensinados não é o único sentido possível da avaliação e não se esgota em si mesmo”. [Martins, 2011, p.6]. Avaliação nesse caso, não se remete apenas aos alunos, mas ao professor, a sua intervenção e aos seus métodos. A avaliação possibilita os subsídios para que o professor perceba qual abordagem pedagógica se adequará ou qual será pertinente à referida disciplina, ou seja, sobre suas construções de significados sobre suas práticas.

A avaliação é de extrema importância para o ensino, desde que ela venha acompanhada de reflexão, problematização e questionamentos do avaliador. Sendo necessária para que se possa rever e principalmente refletir nas ações do professor, ela não pode se tornar um meio coercitivo em que os professores utilizam para disciplinar os alunos. É importante que o professor de acordo com seus métodos, dos recursos pedagógicos utilizados em sala, perceba qual é a melhor maneira de avaliar seus alunos, buscando sempre desenvolver suas competências e habilidades e não meramente como transmissor de informações obtidas pelo aluno ao longo da disciplina, pois as avaliações consistem também na construção do conhecimento e, não simplesmente a verificação de aprendizado.

Nas escolas, infelizmente, ainda está arraigado à utilização de provas para medir os conhecimentos dos alunos, no entanto, se faz necessário repensar sobre os métodos aplicados em sala de aula e buscar novas ferramentas avaliativas para o processo de ensino/aprendizagem. Dizemos isso, pelos métodos avaliativos os quais tivemos contato ao longo de nossa trajetória, que consistiam em avaliar apenas pelo conteúdo que memorizávamos pelo livro, não tendo outras possibilidades avaliativas. Desse modo, se faz necessário, como apontamos acima, reconsiderar o uso de avaliações nas escolas [re] pensando também as práticas de ensino, refletindo sobre os métodos tidos como tradicionais, percebendo que talvez estes não contribuam para um melhor aprendizado. Qualificam-se os alunos apenas pelas provas tradicionais, em que a nota dez seria sinônima de um bom e aplicado aluno e uma nota abaixo da média refletiria em um “péssimo aluno”.

Deve-se levar em consideração que esses métodos influenciam na vida desses adolescentes. Ao considerar que determinado desempenho do aluno é “fraco” em termos de provas, consistindo em perguntas e respostas direcionadas ao assunto aplicado em sala, não se atenta para o fato que o aluno possa apresentar múltiplas potencialidades em outras áreas de sua vida que não são exploradas pelo professor. Desse modo, o aluno passa a se vê perante notas baixas, fracassos, piadinhas dos outros alunos, obviamente o aluno perderá cada vez mais a vontade de estudar e de se esforçar. Bem como nos aponta Ubiratan Rocha sobre a aprendizagem, para que esta “não fique apenas na superfície, mas que crie condições para que o aluno adquira os instrumentos conceituais que lhe permitam decodificar ideias já existentes e produzir novas”. [Rocha, 2001, p.58]

Schmidt e Cainelli [2004] ressaltam que os planejamentos para avaliação no ensino de História têm que ter como aporte a avaliação enquanto auxiliadora no processo de ensino e aprendizagem e, que cada vez mais as velhas práticas de memorização sejam substituídas. Trazendo como sugestões para as avaliações na disciplina de história: atividades realizadas em sala de aula, atividades que indiquem capacidade de síntese e redação, atividades que expressem aprendizagem e atividades que explicitem procedimentos. Devemos pensar, portanto, a partir de uma avaliação contínua e formadora, em diagnóstico contínuo e sistemático, o qual procurará analisar a relevância do conhecimento a ser ensinado, o significado do conhecimento ensinado e a eficácia do conhecimento aprendido. [Schmidt & Cainelli, 2004, p. 147 - 148].

De maneira geral, ao apontarmos sobre algumas falhas na utilização de métodos avaliativos tradicionais, buscamos trazer reflexões para que os docentes atentem para o fato de não apenas passar os alunos para séries futuras, para a universidade e para o mercado de trabalho baseados apenas em notas quantitativas, mas também qualitativas.  Salientando, portanto, a necessidade primordial de desenvolver nesses alunos a criticidade e a autonomia.  Desse modo, o artigo foi pensado de forma a trazer reflexões sobre os processos de avaliação no ensino de História e que possamos cada vez mais trazer um ensino eficaz para nossos alunos, tendo como parâmetros os aspectos socioculturais que circundam cada comunidade e que necessitam ser discutidos em sala de aula; bem como trazer a interdisciplinaridade na conjuntura escolar e aproximar os contextos históricos com a vivência e experiência de mundo dos alunos.

 

Referências

Geilza da Silva Santos é doutoranda em História pela Universidade Federal Rural de      Pernambuco - UFRPE.

Ellen Cristine Alves S. Canuto é mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB.

BRASIL, Secretaria da Educação Básica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências Humanas e suas tecnologias. Secretária da Educação - Brasília. Ministério da Educação. 2008, p. 65-97. [livro]
DEPRESBITERIS, Lea. “Avaliação da aprendizagem do ponto de vista técnico-científico e filosófico-político” in  SÉRIE IDÉIAS, n. 8, São Paulo: FDE, 1998, p. 161-172. [artigo]
GARCIA, Regina Leite. “A avaliação e suas implicações no fracasso/sucesso das classes populares na escola” in CADERNOS ANPED, 1998. [livro]
MARTINS, Marcus Leonardo Bomfim. [re] significando a avaliação no ensino de história. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011, p. 1-11. Disponível em:
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1299251158_ARQUIVO_RESIGNIFICANDOAAVALIACAONOENSINODEHISTORIASEMRESUMO.pdf.  [internet]

MORETTO, Vasco Pedro. “Prova – um momento privilegiado de estudo – não um acerto de contas”. In: Avaliar com eficácia e eficiência. 3ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.93-122. [artigo]
ROCHA, Ubiratan. Reconstruindo a História a partir do imaginário do aluno. In: NIKITIUK, Sônia [org.]. Repensando o ensino de História. São Paulo: Cortez, 2001, p.58. [livro]
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004. [livro]
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. [livro]


4 comentários:

  1. Esta prática avaliativa "tradicional" que ainda perdura e se baseia na memorização e medição quantitativa das "notas" dos alunos perdura muito em consequência da cultura avaliativa e seletiva que a sociedade pratica em suas relações sociais, políticas e de trabalho.
    A prática avaliativa como posto pelo texto deve ser um importante espaço para sistematizar e perceber o processo de ensino e o processo de aprendizagem como um todo. Assim, além da oportunidade de valorizar as experiências sociais dos alunos, também seria viável a utilização de fontes históricas em avaliações?

    Autor da pergunta: Vítor Mateus Viebrantz
    vitormateusviebrantz@gmail.com

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  2. Gostaria de fazer duas observações ao texto: 1° - não foi abordado no texto, a avaliação por habilidades e competências que já está nos documentos oficiais e que grande parte das escolas já adota há muito; 2° - existe no imaginário dos pais, a idéia que só à "prova" de tipo tradicional, seletiva e excludente realmente avalia. Gostaria que você comentasse. Agradecida

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    1. São ótimas observações. De fato ficamos devendo inserir essas informações. No entanto, isso nós dá uma boa oportunidade de pesquisar e discutir os parâmetros da avaliação por habilidades e competências no próximo artigo.
      Na segunda observação, acreditamos que muitos pais têm essa visão de prova "tradicional" como uma marca das práticas exercidas pelos seus filhos(as) no papel de estudantes e esse fato se relaciona com um sistema materializado para gerar uma comprovação, uma justificativa que formalize as ações dos alunos nas escolas.
      Ellen Cristine A.S.Canuto e Geilza da S.Santos

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  3. Olá Vitor Mateus!
    Acreditamos que a utilização das fontes históricas como elemento de abordagem na avaliação seja algo positivo, pois proporciona uma interação do aluno com a teoria e a prática.
    Ellen Cristine A.S.Canuto e Geilza da S. Santos

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